Verônica se sentia muito confortável, estava deitada, o corpo todo relaxado, sentia algo quente e macio na pele, a cabeça e olhos pesados, não estava dormindo, apenas deitada de olhos fechados, descansava ouvindo a música e as vozes ao seu redor. Alguém segurou em seu braço e começou a puxá-lo, ela resmungou e abriu um dos olhos vislumbrando uma Letícia com cara de brava.
- O que você está fazendo Verônica? - Letícia esbravejou, dizendo seu nome em um tom mais agudo que o resto da frase.
- Relaxando - ela sorriu e seu braço foi puxado com força - ai! O que foi?
- Levanta! - puxou mais uma vez e a amiga cedeu, lhe ajudou a se levantar e a segurou pelos ombros para que não caísse, Verônica não conseguia manter os olhos abertos e a cabeça levantada por muito tempo - Nica, abre os olhos - preocupada, a chamou até ter certeza de que ela estava completamente consciente - quem é aquela? - Letícia apontou para uma pessoa deitada no sofá, mas Verônica estava zonza e só conseguia ver cabelos dourados, o resto era um borrão.
- Sei lá Letícia - se irritou - preciso sentar, estou tonta.
- Como não sabe? Você estava deitada em cima dela - começaram a andar - vamos, você precisa de água.
Chegaram a cozinha, agora mais cheia e abafada que antes, Verônica se sentou no balcão ao lado de um pote de rosquinhas de coco. Esfregou os olhos e os dedos ficaram sujos de sombra brilhosa, descobriu que tinha sede quando Letícia lhe entregou um copo d'água, Luis também apareceu e colocou um pano no pescoço da namorada. Em volta da mesa a produção de drinks ainda funcionava a todo vapor, pegou uma rosquinha para cada dedo e as fez de anel, olhou pela janela para os fundos onde vários meninos fincavam fogos de artifício na grama.
- Pra que isso? - apontou para o pano com uma mão enquanto comia uma rosquinha do dedo indicador da outra.
- É gelo - respondeu entediada e se escorou na bancada ao seu lado - você está bem? Acho que bebeu demais.
- Nós duas bebemos muito, garota - comeu a rosquinha do dedo anelar - estou bem, com muita sede apenas.
A música parou, por um momento todos vaiaram, então Juliana subiu na mesa de centro da sala e gritou tão alto que sua tia acordou assustada e derramou uma bebida amarela misturada com água de gelo derretido na garota loira que dormia ao seu lado, esta também acordou e olhou carrancuda para a senhora.
- Desculpe interromper! - Juliana parecia grandiosa naquela mesa, pensou Letícia com rancor, postura perfeita, sorriso perfeito, até segurava o copo de um jeito perfeito - vamos todos para o fundo, falta um minuto para a meia noite e teremos nossos próprios fogos!
Os jovens gritaram, a música voltou, mas ninguém pareceu se importar, todos correram em desordem para as portas, muitos passaram por ela e Verônica, que continuaram sentadas esperando o caminho para os fundos ficar livre. Apenas uma não seguiu a multidão, a menina de cabelos loiros, que tentava secar a calça social com o casaco de alguém. Letícia manteve o olhar atento nela o resto da festa.
Uma garota ruiva das sobrancelhas castanhas que Verônica não conhecia parou quando as viu, ela estava acompanhada do rapaz que preparou drinks a maior parte da noite, um rapaz alto e magrelo do cabelo cor de mel ondulado até o ombro.
- Oi Letícia! - ela parou para cumprimentá-la - este é o Carlos, meu amigo.
Os três começaram a conversar sobre ajudas e banheiros quando Verônica olhou para cima e se perdeu olhando para o teto, só foi voltar a realidade quando sentiu as rosquinhas escorregando de seus dedos e caindo no chão. Pegou mais no pote e se limitou a trocar poucas palavras de cortesia com Carlos e a garota que descobriu se chamar Maria, sua garganta queimava e ela preferiu manter a boca fechada. Sentiu um alívio quando os dois saíram em direção aos fogos e tentou dizer a Letícia que não se sentia bem, mas a amiga se apressou para o gramado a arrastando pelo pulso.
***
- Como assim você nao sabe como foi parar em cima de outra pessoa? - antes de saírem, Verônica precisou tomar mais três copos de água para não vomitar, suas bochechas queimavam e os olhos estavam vermelhos, Letícia parecia preocupada.
- Já te disse, fui pro sofá quando estava cansada, a tia da Ju acordou, a gente conversou um pouco e várias pessoas se sentaram e levantaram no meu lado.
- Você ficou bêbada e dormiu no meio da festa, sozinha.
- Eu não estava dormindo - aquilo tranquilizou Letícia - estava descansando os olhos, inclusive mordi o dedo de uma pessoa que ficou cutucando minha bochecha.
- E ainda assim não sabe como foi parar em cima daquela garota.
- Nem sabia que era uma garota, levantei enxergando tudo tremido - disse sem pensar, e a resposta não agradou Letícia que fez bico.
Um assobio cortou o ar ao passo que os fogos eram acesos e explodiam no céu, cães latiram em resposta, e pessoas se abraçaram enquanto o céu se iluminava de cores. "Feliz ano novo", "feliz 1970", "é ano novo", eram gritados por todos os lados, Luis abraçou e beijou a namorada antes de sair pulando com outros rapazes, Verônica encarou longamente a cara emburrada de Letícia antes de lhe apertar num abraço e também lhe desejar feliz ano novo.
- Não vai começar uma nova década de cara amarrada comigo, vai? - ela a chacoalhou.
- Ai tá bom - Letícia substituiu o bico por um sorriso - feliz ano novo Nica - e a abraçou de volta.
Muitos abraços depois, a maioria deles com gente que não conhecia, Verônica ouviu barulho de sirenes, e a cada segundo que se passava mais pessoas as ouviam também, Luis se juntou a elas com um rosto sério e segurou Letícia pelo braço.
- Vamos antes que batam aqui - disse e os três seguiram rápido até o carro, muitos fizeram o mesmo, ninguém sabia quando uma festa qualquer seria confundida com uma reunião politica, e naquele interior, longe da cidade grande era muito mais fácil esconder os "erros policiais".
Letícia ligou o rádio, estavam tocando uma seleção dos Beatles enquanto o locutor desejava prosperidade aos ouvintes, o carro tremia na estrada de terra e ouviam-se tiros ao longe, algumas pessoas preferiam balas a fogos. Verônica tirou os sapatos dos pés doloridos e deitou no banco, a noite havia ficado nublada, esticou os braços e sentiu uma sensação engraçada no pulso. Ignorou e fechou os olhos, cantarolando junto do rádio.
"Doesn't have a point of view
Knows not where he's going to
Isn't he a bit like you and me?
Nowhere man please listen
You don't know what you're missing"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Somos tão jovens
Teen FictionApós encontrar Maria Cândida bêbada chorando no chão do banheiro da festa de ano novo na casa da garota que odiava, Letícia ganhou uma nova amiga. Elas juntaram suas amizades formando um grupo unido de pessoas que não aceitam que estão saindo da ado...