Vamos à festa?

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O céu já estava ficando opaco e as nuvens tomavam uma cor rosada enquanto Verônica descia a rua de terra que levava à casa de Letícia, com uma blusa listrada lilás, saia azul até os joelhos e tênis velhos e surrados, numa mão segurava a bolsa de couro e na outra os sapatos de festa. 

Entre as casas, as vezes o mato se tornava tão denso que ela podia ouvir no mínimo cinco insetos diferentes, quando chegou na última quadra as nuvens estavam vermelhas. Passou na frente das casas que conhecia quase tão bem quanto a sua própria vizinhança, porém a rua estava vazia, todos estavam ocupados dentro de casa preparando algo para suas festas de ano novo. Ela enfim chegou na casa da amiga, era simples e pequena, amarela, com a tinta descascando perto da porta da frente e vários vasos de flores na varanda, com um grito chamou por Letícia, abriu o portãozinho de ferro e entrou. 

Letícia abriu a porta com força, mas antes de fazer qualquer cumprimento a Verônica virou de volta irritada.

- Mas mãe, eu já te disse que não vai ter nada de errado lá.

Um grito de dentro da casa respondeu a garota.

- Se não tem nada lá por que você vai, Letícia?! O que tem de tão horrível em passar o ano novo com a sua família, Letícia?!

- Não tem problema nenhum! - ela se virou para Verônica ainda falando com a mãe - e eu não disse que não vai ter nada, disse que não vai ter nada de errado!

- Ah não sei não eim, Letícia.

- Oi Nica - ela então falou com a amiga - me ajuda por favor, minha mãe tá quase dizendo não.

- Letícia, qual parte de "puxa o saco dela pra ela deixar" você não entendeu?

Letícia visivelmente tinha acabado de sair do banho, o cabelo estava molhado e embaraçado e ela tinha um tubo de hidratante em uma das mãos.

- Ai meu bem, entra - ela pôs a mão livre no ombro de Verônica e a guiou para dentro da sala - eu juro que tentei, mas ela ficava me provocando falando que ia pensar no meu caso, toda hora vinha com "você está sob análise mocinha", só pra me obrigar a fazer as coisas.

- Pois deveria ter feito tudo de bom grado - ela respondeu brava.

- Deveria mesmo Verônica, você está certíssima - a mãe de Letícia entrou na sala com um pano de prato no ombro e a mão na cintura. Dona Luíza era uma mulher baixa, nem gorda nem magra, os olhos castanhos e a boca eram pequenos, e  o cabelo escuro era cortado na altura das orelhas - já não basta querer passar o ano novo longe da família ainda é desobediente.

- Mas a senhora vai deixar ela ir, não vai?

- Letícia fez você vir aqui só pra me convencer não é?

Era verdade.

- Não senhora, eu vim aqui pensando que estava tudo certo para irmos juntas, o Luis inclusive vai nos levar e trazer de volta.

- Ah ele vai?

- Claro - todos sabiam que os pais de Letícia idolatravam o namorado da menina.

- E essa comemoração ai vai ser tranquila mesmo?

- Com certeza, inclusive os pais da Juliana vão estar lá, vai ser uma coisa entre amigos.

- E desde quando Letícia e Juliana se gostam?

- Amigos da escola mãe! - Letícia rapidamente interveio, todos também sabiam que ela e Juliana se odiavam - vai ser nosso último ano junto, a galera quer aproveitar esse tempo.

Luísa deu uma boa e demorada olhada nas duas.

- Pode ir, mas se eu ficar sabendo de qualquer coisa errada vai viver de rapunzel.

- Sim senhora -  ela deu um pulo antes de segurar Verônica e a puxar para dentro do quarto - te amo maezinha.

- Termina de se arrumar logo que a gente já ta atrasada - Verônica sentou na cama e começou a tirar os tênis - que horas o Luís passa aqui?

- Daqui uma meia hora, eu acho, deve ter saído da cidade agora - ela passou creme em um dos braços.

- Ainda não entendi porque você quer tanto ir, você não odeia a Juliana de morte? Você sabe que o Gustavo vai estar lá também né?

- Óbvio que eu sei Verônica, mas ela me chamou só pra me humilhar, achando que eu não iria ir, mas ela se enganou se pensou que eu iria abaixar a cabeça e não ir. Ela que me aguente a noite toda em sua casa - Letícia era uma garota extremamente geniosa, e havia encarado o convite como uma afronta, e ela nunca deixaria Juliana pensar que havia vencido.

- Você que sabe, eu só to indo porque você me chamou.

Enquanto Letícia se empenhava em desembaraçar o cabelo, Vêronica rapidamente calçou as plataformas azuis fechadas.

O quarto era pequeno, com uma cama de solteiro, guarda roupa, mesa de estudo e várias coisas nas paredes, desde pôsteres e desenhos até ganchos com bolsas e colares, as paredes eram brancas envelhecidas pelo tempo e o teto não possuía forro, no meio do cômodo um grande tapete rosa se exibia.

- Qual é melhor - Letícia colocou várias roupas na ponta da cama - calça com essa blusa ou esse vestido?

- O vestido tá mais bonito.

- Verdade, vai ficar bom com os sapatos brancos.

Letícia era uma garota normal, altura mediana, peso normal, tinha ombros largos e o nariz pequeno, olhos e cabelos castanhos pouco abaixo do ombro. Ela vestiu o vestido rosa que ia até os joelhos, sapatos brancos e pulseiras de contas, pediu ajuda a Verônica para fazer seu cabelo. Enquanto passava sombra marrom no côncavo do olho a amiga fazia ondas e enchia seu cabelo de laquê, mal havia terminado quando sua mãe chamou.

- Letícia! Luis tá aqui!

- Já vou!

As duas se apressaram, Letícia rapidamente fez os cílios inferiores, passou um batom rosa e agarrou um casaco de crochê vermelho, enquanto verônica alisou a saia e guardou na bolsa tudo o que a amiga lhe dava, uma última olhada no espelho e estavam prontas. Quando fora para a sala, os pais de Letícia já estavam vestidos para a ceia com o resto da família, entre os dois estava Luis Felipe, no auge de sua paparicação, geralmente descrito como alto, malhado, moreno, cabelo sedoso e com um sorriso maravilhoso pelas meninas que sua namorada carinhosamente apelidara de sirigaitas. Particularmente, ele era um menino que gostava de se vestir à moda antiga, ainda usara a famosa brilhantina e calças apertadas que doíam as pernas de Verônica só de olhar. Estava com uma dessas calças e uma camisa estampada em tons quentes.  

Quando entraram no Simca Chambord vermelho o ceu já estava índigo e cheio de estrelas, e os três seguiram ao começo de uma nova década.

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