Casa

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Carlos pulou a janela do quarto, ao cair no chão levou junto a caixa de fitas que ficava na mesa ao lado. Esperou ansioso por algum barulho de que havia acordado os pais e o silêncio foi uma resposta acolhedora. O tornozelo começou a doer, percebeu então que estava inchado. Havia combinado com os pais que voltaria as duas da manhã, havia combinado com o pai de Maria Cândida que os buscariam as três.

Era duas e meia quando a polícia bateu, haviam ouvido a sirene duas ou três vezes antes de entrarem, chegaram espantando com cassetetes os que estavam na frente da casa, antes que a tia de Juliana se levantasse para ir conversar com os policiais ele puxou Maria pelo braço e saiu correndo para o corredor, entraram em um quarto qualquer e pularam a janela, do outro lado, arbustos prenderam sua perna antes que conseguissem pular a grade na beirada do muro, correram por quilômetros, até que Maria perdeu o fôlego e quando ele olhou para trás percebeu que ela estava chorando.

- Calma Mada, calma - ele se aproximou e tirou o cabelo suado do rosto dela - já está tudo bem, já estamos longe deles, a barra tá limpa, não se preocupa.

- Não é isso - o rosto dela estava vermelho e inchado, ultimamente o rosto dela ficava daquele jeito com muita frequência - hoje foi tão bom, eu realmente me diverti muito e fiz várias coisas, mas ainda... eu sinto que me falta algo.

- Você precisa superar aquele idiota logo - ele a abraçou forte, conseguia sentir a tristeza em seu corpo e por mais que quisesse não conseguia tirá-la dali.

Chegaram na casa de Maria no momento em que seu pai entrava no carro para ir buscá-los, deram a desculpa de que ela não estava se sentindo bem e precisaram voltar antes, seu Antônio ficou bravo dizendo que naquele caso deveriam ter ligado ao invés de voltarem a pé, então se ofereceu para levar Carlos em casa, mas ele recusou, não queria causar mais um incômodo.

Acordou na manhã seguinte com a irmã Carla o cutucando com o pé, as costas e a cabeça doíam, o tornozelo latejava.

- Se arruma logo, vamos a missa - ela saiu do quarto despejando um olhar de julgamento em cima dele, ela sempre sabia mais que os outros.

Carlos tentou se levantar, o pé doeu demais, voltou ao chão, tentou mais uma vez, sentiu mais dor e se jogou na cama. O tornozelo estava roxo e inchado, conseguia mexer o pé, talvez tivesse sido apenas uma torção. Tirou o colete suado e o enfiou debaixo do travesseiro, ouviu passos e prontamente se pôs de pé, mas assim que a mãe entrou no quarto caiu de novo na cama.

- O que foi meu filho? Vamos nos atrasar - ela usava roupas de domingo, mesmo sendo quinta, o cabelo estava escovando fazendo sua cabeça parecer um cogumelo e dois grandes e redondo brincos dourados pendiam de suas orelhas.

- Acho que torci o tornozelo - ele mostrou o pé inchado - não consigo ficar de pé.

- Ah, Cadu - ela o examinou, preocupada e afetuosa - mas você vai perder a missa de ano novo.

"Ainda bem" pensou.

E assim a família o deixou em casa, com um saco de gelo em cima do pé e uma cartela de analgésicos do lado da cama. Ele esperou o barulho do carro indo embora para vasculhar os bolsos atrás dos números que havia conseguido na noite passada, tomou um comprimido e foi às pressas tomar banho. Estava suado, o cabelo cheirava a fumaça e o hálito a álcool. Após estar limpo, se acomodou na poltrona ao lado do telefone, colocou o saco de agora gelo meio derretido no pé e discou os números.

- Alô? - Mâria Cândida atendeu.

- Oi Mada, é o Cadu, como você está?

- Ah tô melhor, acordei bem, não chorei, só as pernas que doem um pouco.

- Nem me fale.

- E você? Como está?

- Torci o tornozelo, tô de molho, acho que foi na hora que eu quase caí naquele monte de planta, sabe?

- Mas a gente ainda correu muito depois disso!

- Eu sei, coitado, meu pé tá sofrido.

- Coitadinho, mais tarde vou aí te ver então.

- Será um deleite... mas deixa eu te contar.

- SABIAAAA - a voz dela se acendeu em animação - conta! Pegou o número de quem?

- Heh, deixa eu ler aqui... ah Fábio... Pedro.. Leon?

-Leon!? Não acredito!

- Eu também não! Será que foi engano? Eu não me lembro disso!

- Deixa de besteira! Lógico que não foi engano! - ela deu um gritinho.

- Tá bom então... beijos Mada, te vejo mais tarde, queria poder pular agora, tchau - ele disse rapidamente antes de discar o número do menino em quem sempre teve interesse.

Porém após tocar duas vezes ele ouviu o barulho do motor do carro e pendurou o telefone no gancho desesperado, não sabia o que fazer, e quando sua mãe entrou apressada ele estava tirando o aparelho do gancho novamente.

- Esqueci o dízimo - ela disse rindo - vai ligar pra quem?

Ele hesitou antes de responder.

- Pra Mada - disse sem graça.

- Aproveita e diz que eu mandei um beijo pra ela - falou enquanto saía novamente.

- Pode deixar - ele riu sem graça.

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⏰ Última atualização: Nov 12, 2020 ⏰

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