I.

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  Odeio acordar todos os dias para as inspeções matinais sobre o vírus, este que disseminou metade da população mundial, e que até agora não possui um imunizante.

  Conseguimos nos organizar bem até demais, o comércio e as escolas voltaram a funcionar normalmente aqui em Londres, mesmo com inúmeros casos da doença, que já foi comprovada ser um vírus de uma nova espécie desconhecida, que só se deliberava pelo contato de sangue entre o ser e seu novo hospedeiro. Nossa sociedade funcionava de um jeito estranho, mas funcionava, mesmo com as taxas de morte aumentando cerca de 9,7% todos os anos. 

  Essas inspeções são feitas diariamente para que o governo saiba quais são os infectados. As minhas sempre resultaram em negativas, não sei por que ainda insistem em me checar todos os dias. Entendo que todo cuidado é necessário, mas mesmo assim, não suporto o tumulto na entrada todos os dias, é horrível. 

  No momento estou a caminho do Cosmo, onde as amostras são recolhidas e avaliadas, e normalmente o resultado é instantâneo. Todos os dias a mesma rotina; faço o exame, passo, vou a escola e retorno para casa, mas hoje algo ocorreu diferentemente do esperado. Descobriram 12 pessoas infectadas somente na minha cidade, que foram imediatamente isoladas.

  Ninguém sabe o que esse vírus realmente causa a nosso organismo; febre alta e vômitos constantes são os primeiros estágios, mas depois de alguns dias, a pessoa enlouquece, perde noção de tudo e ataca todos que estão próximos, como se fossem criados para acabar com tudo que se mova. E realmente são, esse vírus se apossa do sistema límbico do hospedeiro, a área cerebral responsável pelas emoções, fazendo com que o ódio seja crescente e infinito no indivíduo infectado. Não param mesmo que estejam à beira da morte, sentem uma enorme necessidade de machucar ou até matar alguém, independente de quem seja.

  Essa doença vem matando a população desde o ano de 2020, e agora estamos em 2050. Passou-se muito tempo, e este vírus parece ser incurável.  Não existem registros de pessoas imunes, somente rumores, de que alguns dos que foram expostos ao vírus, de alguma forma, só tiveram melhorias. Uma nova geração, mais evoluída, que além de possuírem anticorpos, também possuem alguns dons, os denominados "darksouls". Mas tudo não se passam de histórias, mitos, lendas, que são contados para criança dormir. Nunca acreditei nelas, para mim, Olívia, existe sim uma cura, mas não uma que sairá do DNA de outro ser humano.  

   Voltei para casa depois do transtorno no Cosmo, fiz algumas coisas da escola e caí no sono. De uns meses para cá tenho sonhado com a mesma coisa, um sonho muito real e nítido, nunca havia tido um desses, com imagens tão claras que se aperfeiçoaram com o tempo. E hoje de noite não foi diferente. 

  Quando acordei, definitivamente não estava no meu quarto. Estava em uma sala escura, já familiar para mim, amarrada a uma cama de hospital. Não conseguia enxergar nada. Até que uma luz no canto da sala se acendeu, um médico me olhava de forma assustadora, e ao mesmo tempo sussurrava algo que não conseguia entender, nunca consegui identificar e nunca me preocupei em saber, pois sei que isso irá passar. 

  Ele se aproximou de mim de forma calma, como se me temesse. Pegou um bisturi de seu jaleco e quando estava prestes a cortar meu braço, a lâmina explodiu e acordei em um susto.

  Assustada e confusa saí da cama, já eram seis da manhã. Precisava continuar com a minha rotina, isso  não significa nada, somente um pesadelo comum, que eu já tivera anteriormente. 

  Me arrumei e entrei no carro para realizar meus exames. 

  Estava esperando na fila, sentada em um banco, quando uma das enfermeiras se aproximou e me olhou estranho, como se eu fosse alguma espécie de atração especial. Ela informou a meus pais que eu iria primeiro e fiquei mais confusa ainda. Entrei na sala que o exame seria realizado, com medo me virei para trás a procura de meus pais, e os vi conversando com um dos generais postos em cada entrada para nossa proteção, virei-me para frente e a enfermeira colocando uma agulha em meu braço entrou em meu campo de visão, me fazendo apagar instantaneamente. A última figura que vi foram meus pais na vidraça do laboratório, com um ar preocupado, mas aliviados simultaneamente. 

  Acordei, mas não estava no Cosmo, e sim  em frente a uma fábrica, não conseguir enxergar perfeitamente, somente algumas figuras turvas e sem cor.

  Me senti atraída a entrar no local, mesmo não querendo. Era como se algo estivesse me empurrando inconscientemente, como se algo me controlasse. Passei pelo enorme portão enferrujado e entrei no estabelecimento. Tudo o que via eram máquinas empoeiradas, e muita pouca luz. Decidi explorar para ver se encontrava algo, a razão pela minha atração.

  Caminhei lentamente pelos objetos sujos e quebrados, sem fazer barulho algum, de repente um vulto passou ao meu lado esquerdo. De novo pelo lado direito, pela frente, por trás, era como se tivessem formado uma roda para me assustar. Tentei correr, mas acabei tropeçando em algo, um livro, um enorme livro. No momento que vi aquilo, sabia exatamente o que fazer com ele. De repente os vultos pararam, não havia mais ninguém ali, então sai do edifício o mais rápido possível, e claro, com o livro em minhas mãos.

  Despertei, olhei ao meu redor e o pior havia ocorrido. Estava sentada em uma cadeira, parcialmente amarrada, mas todos e tudo na sala, estavam em chamas. Conseguia escutar os gritos e sentir o calor em cada parte do meu corpo. Como tudo aquilo havia ocorrido? Consegui me desprender da cadeira devido ao derretimento do couro que me segurava e sai da sala, sem nenhuma marca de queimadura.

  Todos no hospital me olhavam amedrontados, como se eu fosse um monstro, e infelizmente, é um pensamento justificável. Não faço a menor ideia do que vem acontecendo comigo, por fora pareço bem mas internamente sinto como se estivesse me afogando, como se estivesse morrendo.

  A única coisa que fui capaz de fazer no momento foi correr, com lágrimas em meus olhos, a procura de meus pais, e os enxerguei sendo escoltados para dentro do Cosmo enquanto eu corria até casa. Chorei como se não houvesse amanhã. Ninguém me ajudou, nem minha própria família, sabia que eles me temiam também, tinha completa certeza disso.

  Saí correndo dali e depois de alguns minutos de caminhada, cheguei em casa e fui direto para meu quarto. Desabei, chorei até dormir.

  Acordei com meus pais chegando em casa, não fazia ideia de quanto tempo havia dormido e o que eles estavam fazendo na minha ausência. A primeira coisa que fiz foi descer as escadas para tentar me justificar sobre algo que nem eu tinha certeza.

  Comecei a falar alto, quase gritando, mas meus pais estavam serenos, tão calmos como o mar da meia noite. Pareciam robôs.

-- Queremos que tome isto, irá te ajudar com seu problema. – Foi a única coisa que disseram antes de subirem para seus quartos.

  Subi as escadas com eles, mas não me atrevi a dizer uma palavra sequer, só fui em direção a meu quarto. Encarei a pílula por uns minutos, estava receosa. Uma voz na minha cabeça dizia para não tomar aquilo, então decidi seguir meus instintos e joguei o remédio fora, não fazia ideia do que estava acontecendo, mas disso eu tinha certeza. Tudo estava tão estranho, até mesmo as pessoas mais próximas de mim.

  Tentei relacionar o sonho com o que ocorreu no hospital, mas não consegui chegar a lugar nenhum, não sabia de nada, e estava cada vez mais frustrada. Queria entender o que estava acontecendo comigo. O olhar do médico e os vultos não saiam da minha cabeça. Me perseguiam como fantasmas. Mas de certa forma, não me amedrontavam, não sei por que, mas não sentia medo deles. O médico queria me ajudar, podia enxergar medo em seus olhos e feições, já os vultos, aparentemente, queriam que eu encontrasse o livro.

  E é isso que irei fazer. 


Veias brasantes Where stories live. Discover now