Capítulo 1

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— Tchau, querido — minha mãe planta um beijo demorado na minha testa. — Se cuida, vamos voltar rápido.

— Ok, não se preocupe, eu vou ficar bem — abaixei meu olhar e vi minha irmã. — Tchau pra você também.

Ela tirou a cara do celular e veio me dar um abraço rápido. Eu a apertei bem forte. Deus, vou sentir tanta a falta dela, seja lá pra onde diabos eu vá depois da morte. Começo a me perguntar se eu vou me encontrar com meu pai.
As duas acenam para mim até as portas do elevador se fecharem, então eu rapidamente corro para dentro de casa e tranco a porta.
Eu realmente as amo muito e você deve estar achando que sou um egoísta do caralho agora, só que eu não posso mais, não mesmo. Talvez o mundo não foi feito pra mim, quem sabe na próxima vida – se tiver uma – eu nasça em outro lugar bem distante do sistema solar?
De qualquer forma, eu não vou me arrepender do que vou fazer hoje. Vai valer a pena e eu vou ser livre como um passarinho.
Apaguei as luzes e subi para o meu quarto. Tranquei a porta e cobri as janelas com as cortinas. Não quero que vizinhos curiosos fiquem me assistindo morrer, como a senhora Marshall, uma velha de uns 70 anos que, sinceramente, acho que nunca saiu da varanda. Tenho certeza que ela já até me viu pelado pela janela do meu quarto e gostou. Inclusive, ela me olhou com uma cara super feia quando eu fechei as cortinas.
Reviro meus olhos e penso que isso é um pouquinho do que não vou precisar mais me preocupar.
Abro meu guarda-roupa e rapidamente confiro se a minha carta ainda está ali e então abro minha gaveta de cuecas. Geralmente, um adolescente como eu deveria ter camisinhas de baixo de tanta cueca, porém eu tenho a arma do meu pai.
Pego ela e percebo como é pesada. Tento mantê-la nas minhas mãos sem tremer. Só que já é tarde demais, tudo dentro e fora de mim está tremendo pra caralho.
Sento no chão gelado e começo a pensar como minha irmã e minha mãe vão reagir ao me encontrar morto aqui, no meu quarto. Talvez a morte do meu pai já tenha sido demais pra minha mãe, mas July nunca conheceu nosso pai. Ela era muito nova quando ele morreu, não se lembra de nada.
Isso não muda o fato de que elas estão melhor sem você.
É, tem razão, todo mundo vai ficar melhor sem mim e eu preciso parar de sentir esses morcegos voando no meu peito, preciso parar de sentir essas árvores crescendo nos meus pulmões e me impedindo de respirar, preciso parar de sentir que não sinto meu corpo, preciso parar de sentir que a minha alma evaporou como água, preciso parar de sentir que eu não sinto nada.
Pisco rápido algumas vezes e então percebo que estou chorando. Meus soluços fazem tudo parecer menos silencioso e solitário.
Seguro a arma com mais firmeza e agora ela parece menos pesada, porque meu corpo que ficou pesado demais agora. Coloco ela do lado direito da minha cabeça e tento controlar minha respiração. Fecho meus olhos firme e quando finalmente percebo que é só puxar o gatilho a música Can I Call You Tonight? do Dayglow invade todo o meu quarto. Eu acabo me assustando e deixo a arma cair das minhas mãos. Era o toque do meu celular. Minha mãe está me ligando?
Olho para o meu celular tocando, que agora é a única luz no meu quarto, já que nem a luz da rua pode entrar aqui dentro porque eu fechei as cortinas. Dou uma espiada e percebo que não era minha mãe, era um número desconhecido.
Então, ele para de tocar.

— Ok — limpo minhas lágrimas e pego a arma de volta. — Ignore isso.

A arma está de novo na minha cabeça, só que o "é só puxar o gatilho" foi substituído por "atende aquela merda!" e pra minha surpresa o telefone tocou mais uma vez, era o mesmo número.
A arma voltou para o chão outra vez e eu, sem muita coragem, atendi o telefone.

— Alô? — uma voz masculina soou do outro lado. — Eu estou falando com Morgan Thompson?

— Sim — respondo. — Quem é?

— Desculpe incomodar essas horas da noite — seja lá quem esteja falando comigo agora, parece realmente nervoso. — Eu sou Fynn John.

— Fynn o que?

— A gente tem aula de redação juntos — ele fala tão rápido que eu quase não consigo entender de primeira. — Eu realmente gosto dos textos que você escreve.

Eu começo a me lembrar. Fynn John é um garoto tão alto que chega a assustar, ele tem uma pele escura coberta de tatuagens e cachinhos que eu sempre achei adoráveis. Não reparo muito nele mas ele é um cara bonito.

— Sim, eu me lembro.

— Aí meu Deus, sério? Eu pensei que tipo... você nem soubesse que eu existia!

— Você não é invisível. — falei, de forma sarcástica, só pra lembrá-lo dos 2 metros de altura dele. Acho que ele entendeu, porque começou a rir.

— Verdade — limpou a garganta. — Então, isso pode soar muito como algo que uma garota de 14 anos faria mas eu tenho uma quedinha por você e eu quero saber se você não quer ir pro baile da escola comigo. Você quer?

Fico paralisado. Eu não fazia ideia de que Fynn era gay.

— Eu... — minha voz falha. — Você é gay?

— Bissexual, mas olha, não precisa aceitar se não quiser, eu entendo e...

— Eu aceito — digo. — Só pare de agir assim, realmente parece uma garota de 14 anos.

Ele começa a rir e eu também.

— Espera, você aceitou mesmo?

— Eu acho que sim.

— Puta que me pariu! — gritou. — Desculpa, pelo palavrão, é que eu...

— Tudo bem, eu não sou boca limpa mesmo.

— Então, Morgan, a gente se vê amanhã?

Amanhã tinha aula de redação.

— Sim, a gente se vê.

— Ok, até mais, tchau.

— Tchau.

Desligo o celular, ainda surpreso com o que acabou de acontecer. E, depois do choque passar, salvo seu contato como "Fynn".

Alô?Onde histórias criam vida. Descubra agora