Capítulo 5 - O Hospital

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-Princesa... Acorde!

A voz doce e familiar de Breno ecoou na mente de Clara. Sentiu suas pernas formigarem, uma onda de dor percorreu cada partícula de seu fragilizado corpo e logo ao abrir os olhos, o clarão do quarto de hospital lhe fez aflorar uma leve vertigem.

-Onde eu estou? Pelos quatro deuses, que raios aconteceu aqui? Porque sinto dor pelo meu corpo inteiro? Breno... - Recém acordada, se pôs a arrancar os plugs que monitoravam seus sinais vitais, logo, um bipe ensurdecedor tomou conta do quarto, Clara levou as mãos aos ouvidos, como que por reflexo, tentando abafar o ruído. Inclinou-se para frente, mas foi interrompida.

-Não se precipite em levantar desse leito, estou há semanas reanimando e tentando estabilizar o seu quadro para que pudesse tirá-la do coma induzido, nós quase a perdemos, minha Princesa.

-O príncipe... Foi o príncipe de Armadis! - Clara se ajeitou na maca tentando sentar-se, mesmo a contra gosto do amigo, mas uma náusea a atingiu.

-Acalme-se, nós já sabemos que houve de fato um ataque terrorista na zona Norte em que o vosso destacamento patrulhava. Aliás, não faltaram avisos de que isso poderia acontecer, não é mesmo, Princesa? - Breno direcionou um olhar irônico para a amiga, que retribuiu com desprezo pelo comentário, franzindo o rosto e sem esboçar um único som. -Mas já se passaram três meses desde o ocorrido. Por sorte a tropa de reforços os encontrou a tempo. Todos estavam devidamente medicados, foi fácil trazê-los de volta, nossa única baixa... -O jovem cientista se orgulhava dos feitos medicinais que conquistara, mas o momento não permitia comemorações.

- O Sargento Padilha...? Já se passaram três meses?- Breno sinalizou com a cabeça e fechou os olhos, a fim de conter as lágrimas.

-Fizemos uma linda homenagem durante seu funeral, as cinzas do Sargento foram entregues de volta ao mar, ao céu, à terra e ao fogo. Como manda as tradições dos quatro deuses.

Clara desabou com a confirmação, o desespero inundou sua expressão. O sargento Padilha havia sido seu mentor durante todos os anos de treinamento militar da princesa. Breno não se conteve ao ver o estado da amiga, abraçou-a mesmo sabendo ser contra os protocolos reais. As lágrimas cessaram e a mente inquieta da jovem questionou o rapaz a fim de coletar novas informações.

-Me diga se ao menos conseguiram prendê-los. -A princesa, ainda com os olhos marejados, fixou seu olhar triste na face do amigo, travou sua mordida tão forte que era possível ouvir seus dentes rangerem.

-Não se preocupe com eles. Estão todos presos. Seu pai, o rei, tratou deste assunto pessoalmente, uma vez que o líder do bando era um herdeiro da casa de Armadis. Há rumores de que o príncipe é um regicida e está envolvido na morte misteriosa do rei Omar, portanto ele jamais acenderá ao trono de sua família. Ele está sendo mantido numa câmara criogênica semelhante a essa sua, enquanto aguardamos a decisão da Corte Suprema para saber se ele será extraditado para seu reino de origem.

A jovem sentindo-se um pouco mais aliviada, deixou de relutar contra o descanso sugerido. Acomodou-se da melhor forma possível e tentou relaxar. A câmara criogênica se manteve aberta em modo descanso, assemelhando-se a uma cápsula. Quando acordou, quis chamar pelo rei e tomar a iniciativa sobre decisões práticas referentes ao reino.

-Chame meu pai aqui imediatamente, Breno. Eu preciso trabalhar, temos vários assuntos para questionar o rei.

-O rei... É... Só um instante. -O amigo fiel da princesa não sabia como obedecer às ordens impostas, havia realmente muitos assuntos a serem tratados entre o rei e a princesa. Breno saiu do quarto às pressas e dentro de poucos instantes, retornou na companhia do rei Jorge.

-Minha jóia... Pelos quatro deuses, finalmente você despertou. Como se sente, irmã? -A fisionomia imponente e arrogante do jovem rei, contrastava com a face em choque e preocupada da princesa ao se dar conta de que a sucessão da coroa significava o que ela não estava disposta a acreditar. Clara sentiu o toque quente das mãos de Jorge, notou uma queimadura, o rapaz sentou-se no leito da câmara. Desde a morte da rainha Helena, quase duas décadas atrás, ela temia esse momento em que estaria só neste mundo, tendo que suprir esse vazio para o próprio irmão. Mas o rei tão pouco se alterou. Parecia estar muito confortável com toda a nova realidade que assolava a irmã.

-Bom, vamos as novidades. O príncipe Marlon está preso, aqui mesmo no castelo de vidro, portanto, seu casamento está desfeito. Devido ao atentado, nossas tropas vão atacar o reino de Armadis, agora que eu, o novo Rei, declarei guerra por conta de tal ofensa, mas não se preocupe com isso. -O rei estava obstinado a garantir vingança pelo que tinha acontecido à sua irmã, mas a mesma ainda estava abismada com a naturalidade do outro. Então ergueu os olhos, esboçou um leve sorriso e forçou certa naturalidade ao se pronunciar.

-Meu amado irmão, imploro que cancele este ataque. Poupe a vida de milhares de civis e me deixe fazer uma contraproposta ao nosso reino vizinho. Permita-me organizar uma caravana até Armadis, levarei toda a minha corte, vou acompanhar de perto o julgamento da Suprema Corte e propor casamento ao Rei Marvin. Teremos assim, todos os recursos para sanar nossa crise na gestão de insumos para a manipulação do Vitallis, para combater enfim a epidemia de SIDHEA.

O Rei Jorge e Breno ouviram o discurso da princesa, mesmo sem acreditar que tais palavras tivessem saído da boca dela.

-Bater a cabeça parece realmente ter mexido com você irmã. Eu já não a conheço mais... Estava louca por travar essa guerra e poder cancelar seu casamento, agora que finalmente conseguiu o que queria, vai voltar atrás? -Indagou o Rei.

-Eu preciso usar novas armas para vencer essa guerra, sei que se seguir os passos do que tenho em mente, vamos conseguir nosso objetivo. -Concluiu a moça entoando sua voz suavemente.

-Gostei do plano, porém... existem algumas inconsistências. Acredito que você ainda não tenha sido informada mas, o príncipe Marvin ainda não fez a cerimônia do juramento da Coroa, por tanto ele ainda não é rei, devido ao caso da morte do pai dele também estar sendo analisado pela Suprema Corte. Outra coisa, infelizmente, durante as várias cirurgias que foram feitas em você, seu amiguinho ali teve que lhe retirar o útero, por tanto é pouco provável que Armadis aceite a proposta de um novo casamento, já que você não pode mais lhes dar herdeiros... -Jorge parecia mesmo não se importar com todas as tragédias que regogitava em cima da irmã.

Clara fixou o olhar em Breno, bradou um urro agonizante ao notar as marcas que seu corpo apresentava, confirmando as notícias repassadas pelo rei. Jorge se levantou e deu as costas para a irmã diante do sofrimento da mesma. Foi o momento oportuno de Breno poder se explicar.

-Me perdoe princesa, eu fiz tudo o que pude para salva-la... Seu próprio pai me autorizou a fazer o que tive de fazer, mas eu nunca quis lhe causar essa dor... -Breno se aproximou do leito mas diante da presença do rei, preferiu não manter contato físico com a amiga, que após tantos choques se manteve por algum tempo inerte. Quando finalmente se pronunciou, Clara já tinha traçado alternativas para o próprio plano.

-Talvez eu não consiga uma proposta de casamento meu irmão, mas ao menos me permita evitar um banho de sangue. Aguarde mais algum tempo antes de fazer seu ataque, você não tem nada a perder me dando este voto de confiança. Eu posso não ser a rainha deste reino, mas ainda sou a General do Exército Villagiano, ou vocês ainda precisam me contar mais alguma tragédia? Pelo menos esse cargo ainda me resta, não é? -Clara voltou sua atenção para o rei, que se virou para encarar a irmã prostada no leito.

-De fato, você ainda é a pessoa mais experiente em incursões bélicas que este reino possui. O seu plano é muito arriscado, mas vou permitir que você possa fazer um último lance antes do meu ataque, informe as suas necessidades para a execução deste plano. Por hora, vou deixar que descanse.

O rei Jorge saiu do quarto e estando a sós, Breno e Clara puderam finalmente falar comentar sobre a visita do irmão.

-Eu fui traída Breno! Eu consigo sentir que algo de errado está acontecendo bem diante de mim. -Clara sussurrou tentando manter em sigilo a conversa.

-Princesa... Apesar de, oficialmente, o rei Edgar ter morrido por causas naturais, a conspiração do Conselho em colocar seu irmão no trono foi muito súbito. Durante a cerimônia da coroação o fogo não aceitou o sangue do príncipe como herdeiro legítimo... -Breno manteve o tom de voz baixo, sabendo que as palavras ditas poderiam ser encaradas como crime de traição, dependendo de quem as escutasse.

-Realmente o fogo é o deus que representa a justiça, é claro que as pessoas iriam encarar isso como um presságio ruim. Mas tem muito mais do que isso... Nada tira da minha cabeça que o atentado que eu sofri possa ter sido uma emboscada... -Agora era Breno quem encarava a princesa com um olhar perplexo, se tudo fosse realmente verdade, então a sucessão do reino teria sido equivocada, ou pior, orquestrada.

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Universo Seguro (REEDIÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora