Carta 4: sem nome

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Oi, como vai você?

Desculpe tantos rabiscos nessa carta, frases cortadas no meio, palavras apagadas. Você não me conhece e nunca irá conhecer. Me desculpe novamente se em algum ponto eu for grossa com você, te juro que não é minha intenção.

Bem... o que eu estou fazendo aqui, escrevendo essa carta, e mandando a um estranho?

Estou aqui pra me despedir. Eu precisava me despedir de alguém. Mesmo sendo um total estranho.

Porque eu não me despeço da minha familia e/ou amigos? Bem, por que eu não tenho, nenhum dos dois.

Mas acho melhor eu começar a contar tudo desde o começo, certo? Afinal, a minha vida não acabou com a minha família. Ela acabou muito, muito antes. Talvez até antes mesmo de eu nascer, não sei. Só sei de uma coisa: se o que dizem sobre destino e toda nossa vida ja ser planejada antes de nascermos, com toda certeza eu ja era fadada á isso e com mais certeza ainda o destino me odeia com todas as forças.

Mas agora tanto faz por que ele não é o único.

Bem... Minha vida sempre foi muito difícil... Sei que todas são, mas eu descobri que algumas são mais do que outras, e a minha é uma dessas que é mais difícil.

Eu cresci com um pai alcóolatra, uma casa sem amor, um lugar onde minha mãe tem medo e meus irmãos casaram cedo pra sair daqui. Eu digo casa por que é só o que isso aqui é pra mim, uma casa, nada mais. Cresci vendo meu pai bater na minha mãe e ela ficar calada. Como se não bastasse, a família da casa ao lado, mais conhecidos como meus vizinhos, se tornaram parte da família. "Ah, mas isso é ruim?" sim quando eles não te respeitam e os filhos deles tiram sua virgindade quando você ainda tem 5 anos. E isso durou até meus 11. Gritar não adiantava, chorar nunca, pedir pra parar muito menos. Como se não fosse o suficiente os 2 fazendo isso comigo, meu pai trouxe alguns amigos em casa, bêbados é claro. E tudo aquilo se repetia. Com 14 anos mudei de escola, isso tudo acabou de uma vez por todas, mas minha mãe sofreu um começo de AVC. E eu sei que eu não tinha nada a ver, mas a culpa me corroe até hoje... na verdade, eu sei que hoje ela ta bem somente porque eu passei mal e ela me levou no médico, se eu não tivesse mal isso teria sido pior. Mas ainda sim me sinto culpada.

Com 10 anos eu comecei a me cortar e com 15 eu tive minha primeira tentativa de suicídio, mal sucedida obviamente. Não digo que me arrependo por que eu não me arrependo mesmo. Acho que eu deveria ter sido insistente e conseguido.

Esse ano eu comecei a ir em uma psicóloga, ela me ajudou bastante, ja não sentia tanta culpa nem tanto medo.

Mas daí eu li algo sobre estupro, sobre abuso infantil, e tudo voltou. Toda a dor, toda a vergonha, o medo, a culpa... Tudo. E me lembrou que, mesmo não sofrendo mais tão violenta e diretamente, algo ainda acontece.

O pai biológico de um dos meus vizinhos... acho que é de família ser assim. Tantas vezes já me beijou a força... Mas, felizmente (?) não passa disso.

E hoje é natal. Legal lembrar de tudo isso num dia em que eu não deveria. Por mais que eu odeie natal, por causa do meu pai, afinal datas assim são as piores quando se tem um alcóolatra em casa, quando se tem a pessoa que você mais detesta do seu lado. É uma data que deveria significar mais pra mim, eu acho, mas não.

Mas, como eu disse no começo, eu estou aqui para me despedir. Eu gostaria de me despedir de uma única pessoa, que se importa comigo, talvez ela leia essa carta algum dia, mas não acho justo fazer isso com ela hoje sabe? É um dia importante pra muitas pessoas. Espero eu que pra você também. Espero não ter acabado com seu feriado. Se sim, mil desculpas, mas eu precisava fazer isso.

Espero que todos encontem a felicidade, e a paz algum dia. Estou me encontrando com ela agora. Ela está me chamando. E eu

Algumas cartas suicidas [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora