──── ◉ 2 Meses Atrás... ◉ ────
Faz um mês que não peguei nesse diário e foi por causa de dois motivos: o trabalho que chamo carinhosamente de Lar do Hades porque aquele restaurante é um verdadeiro inferno na terra e o surto psicótico que tive naquele dia foi demais para o meu gosto e quis dar um tempo. Agora eu voltei, mas não foi necessariamente para dar continuidade a história da minha primeira ilusão amorosa e sim para falar de algo respeito a minha vida atual.
Atualmente estou cursando o último ano de ciências sociais na UFBA (queria ir para a UNEB mas esquece) com grande pretensão de conseguir um cargo na politica nessa área ou publicar livros sobre a are de estudo que quero seguir. Eu iniciei o curso com esse pensamento, tinha sido a maior expiração da minha vida entrar naquela universidade, estava fazendo muitos planos de conhecer novas pessoas e tinha vários sonhos que queria concretizar.
Contudo, cinco anos se passou e a única coisa que restou foi o meu corpo mesmo porque tudo foi embora. Vontade de conhecer as pessoas?! De tanto trabalho em grupo, cheguei ao ponto de não querer ver mais nenhum ser humano na minha frente. Sonhos?! Foi pra a casa da porra! Nem sei mais se quero continuar nesse curso ou se devo procurar outro curso que me de uma boa condição, pois eu sei que esse curso só serve para ter raiva de branco e não para me dar emprego.
Eu passei raiva e vou continuar passando raiva nesse curso por causa de muitas coisas, mas duas são fundamentais: os artigos infinitos que o professor passa e a audácia do branco. Sério, gente branca é uma espécie muito ousada rapaz, a gente fala "a", eles entendem "b" ou fingem que entenderam o "a". Eles se acham no direito de serem palestrinhas com a gente como se s nos fossemos pessoas sem capacidade cognitiva de entender as coisas e pior fazem isso mesmo com a pessoa com doutorado na área!
Ano passado, eu discuti com uma mulher branca que queria me ensinar sobre feminismo negro sendo que eu estudo feminismo há três anos! Ela só se tocou da merda que tava fazendo quando eu mostrei as citações do livro Quem tem medo do feminismo negro? ao vivo! Aí ela ficou desconversando até que ela saiu do pátio. Depois eu descobri que ela era estudante de engenharia e estava iniciando nos estudos sobre feminismo agora.
É cada palhaçada viu! A mulher mal começou e queria saber mais do que eu! Ela achava que eu fosse o que?! Ignorante no assunto é?! Me poupe caralho! Vai com seu complexo de White savior para lá!
Sem falar nas teorias racistas e no próprio apagamento da galera não branca, radicializada na carreira acadêmica. Já ouvi vários casos de pessoas negras, indígenas, asiáticas terem seus trabalhos recusados por não se encaixarem no tal perfil que na verdade é o desgosto dos acadêmicos brancos agindo na vida acadêmica. Tanto que é mais aceitável um branco falar das questões dos negros do que o próprio negro escrevendo sobre os as suas questões.
Enfim... A única coisa boa é que estou na fase de fazer o TCC e já estou perto de terminar, o que é uma vitória gigantesca porque só eu sei o quando que sofri para escolher o tema dessa desgraça! Foram meses mudando e trocando até que finalmente me aquietei e escolhi o tema para trabalhar. Passei o janeiro inteiro focada nesse TCC, nem no twitter consegui entrar direito e agora finalmente to conseguindo terminar essa porra!!! Agora só falta passar pela banca e está tudo certo!
Esse ano vai ser o meu ano! Quer dizer, eu acho que vai ser meu ano porque agora tá com um negócio de um novo vírus aí chamado covid-19 e que está se espalhando pelo mundo afora. Tem muita chance de vir para o Brasil e só digo uma coisa: tomara que esse vírus não atrapalhe os meus planos de me formar nesse ano.
Eu não aguento mais ficar nessa universidade, não aguento mais passar os anos sobrevivendo em um lugar que só gera estresse e insônia para o meu lado. Nem o meu trabalho como garçonete gera tanto estresse como a vida na universidade gera. Não aguento mais ter que correr para não pegar a filha do RU cheia, não aguento mais ter que agir como flash nos dias em que o horário das aulas são bem próximos, no caso são todos os dias, não aguento mais os trabalhos em grupo que botam para eu fazer que no final faço tudo e ganho menos pontuação do que os outros membros do grupo.
Não aguento mais ter que lidar com gente branca que vem até a mim para encher o meu saco e me fazer de enciclopédia, isto é se não for para pedir que eu faça todo o trabalho para eles, mas nesse caso eu peço na cara de pau que me paguem para fazer, afinal eu tenho que ganhar alguma coisa com isso não é mesmo?! Aí eles desistem e procuram outro preto para fazer por eles.
A única coisa boa que tive nessa universidade foi que consegui participar de dois coletivos negros que focam nas necessidades da mulher negra e que consegui por um tempo ser militante do movimento estudantil de Salvador. Foi a melhor época da minha vida, organizei vários protestos, fiz amizades e foi lá que conheci o meu ex namorado. Pena que eu tive que deixar o movimento por causa que o meu psicológico não me permitiu mais.
Muita gente fala e banaliza o papel do militante nas causas sociais, mas ninguém fala do quanto é difícil ser militante. Ninguém fala do medo e da dor ao ver seus parceiros serem presos ou feridos em uma manifestação, ninguém fala do estresse que é organizar um protesto, um projeto que possa beneficiar a quem realmente precisa, ninguém fala do quanto o seu psicológico fica abalado depois dos atos e o quanto você espera ficar bem e viva.
Militância é uma ação, é um ato e não um meme da internet que todos pegam para fazer zombaria. Vou repetir isso sempre para que todos saibam e valorizem o papel de quem estão na linha de frente lutando por cada um de nós.
Agora vou voltar para o que estava fazendo que é retomar aos meus momentos quietos e só volto daqui a um tempo, talvez um mês ou mais de um mês já que eu não tenho tanto tempo para escrever diários.
Espero que até lá eu fique bem e quando eu for voltar, eu volte bem linda e com diploma...

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Lembra de Mim
ContoMaria Lara é uma jovem de 26 anos que divide o seu tempo entre o último ano da faculdade de Ciências Sociais e o trabalho de garçonete de um dos restaurantes mais requisitados de Salvador. Tudo muda na sua vida quando Inaiê Pereira, uma das jogadora...