O Meio

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Era um jeep, um Renegade 2014, cinza. Tinha um cheiro estranho, uma mistura de cigarro com cacau, era estranho, mas agradável.

Não sabia o que fazer, já me sentia mal por estar a molhar o carro, então ele pegou a minha mochila e jogou para o banco de trás. Olhei para ele. Olhos castanhos claríssimos, cabelo ondulado jogado para trás, castanho claro, no tom de areia, barba. Podia muito bem ser confundido com o Julian Morris, com a pele mais bronzeada. Um pouco intimidante.

- Desculpa ter-te abordado daquela maneira, mas não podia deixar-te por baixo dessa chuva

- Tudo bem

- Sou o Darvin, Darvin Pierre

Estendeu a mão para mim com um sorriso fechado. Apertei a mão dele. Macia demais.

- Kamille

- Estas toda molhada


Antes que pudesse dizer alguma coisa tirou a jaqueta e a camisola. Conseguia ver perfeitamente as tatuagens no peito dele. Entregou-me a camisola, cinza

- Veste isto


Quando percebi já tinha fechado a jaqueta. Fiz o mesmo que ele, diferente de mim não ficou a olhar. O carro começou a mover-se, agora podia ficar relaxada, mas por uma razão qualquer o meu coração começou a bater mais forte. Cada vez mais forte


- Para onde estavas a ir?

A voz dele era doce, como se as ondas sonoras estivessem carregadas de mel


- Isso é engraçado. Não sei bem para onde estava a ir

- Vi-te a correr

- Estava a procura de um café qualquer, tinha certeza que ficava aqui nas redondezas, mas acabei por me perder

- Estas a falar do Picasa?

- Não me lembro do nome

Ficamos alguns segundos em silêncio

- Então Kamille, o que fazes na rua a essa hora? Não é muito cedo para ir para escola? - Perguntou. Grata por não ter mais os olhos dele em cima de mim

- E quem disse que vou para escola?

- Há outro motivo para estares com o uniforme da escola as 6 e 40 da manhã?

Senti o meu coração apertar como se tivesse sido apanhada a fazer algo de errado. A sensação era horrível e por mais estranho que pareça ele não parava de sorrir, como se estivesse a divertir-se com o meu nervosismo. Estava a tornar-se irritante, quem consegue sorrir a essa hora da manhã e com uma chuva dos infernos?

- Estava a ir para o café, antes da chuva apanhar-me pelo caminho - assentiu como resposta com um ar pensativo, as sobrancelhas estavam franzidas e os dedos batucavam no volante

- Então tu saíste de casa as 6 da manhã para tomar o pequeno-almoço no café que provavelmente não deve estar a aberto ainda? As 6:40? - Ok, não foi uma desculpa muito inteligente porque não pensei nas horas, mas ele pelo contrário parecia estar a estudar muito bem o meu caso

- A minha casa fica um pouco distante


Uma resposta curta para não prolongar a conversa, não é um assunto que me agrade muito, e não vejo necessidade de estar a explicar para um estranho o motivo de estar apanhar chuva as 6 da manha, nem que fosse o Papa Francisco. Mesmo que ele parecesse ser um dos modelos da Calvin Klein.

O café afinal não ficava muito distante de onde nós estávamos, então levaríamos poucos minutos para chegar lá. Como se fosse errado continuarmos em silêncio, na verdade não tínhamos muito que dizer, por mais que eu quisesse ouvir a voz dele e saber tudo que ele faz desde o momento que acorda até a hora de dormir. Cada minuto que passava eu sentia a curiosidade sufocar-me, o rádio estava desligado, ouvíamos apenas a nossa respiração e as gotas baterem contra os vidros do carro. Ele continuava sereno e batucava os dedos sem parar, como se não tivesse uma estranha do lado dele pronta a explodir... sentia o silêncio arranhar as minhas cordas vocais, sentia comichão não ponta da língua, nunca pensei que o silêncio fosse me causar um o desconforto fatal.

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