Casa de memórias

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Resumo: vislumbre de um futuro em que Prior e Gizelly tiveram um final feliz.

Tags: narrativa em primeira pessoa; narrador observador; irrealisticamente feliz; pós-bbb.

Nota: particularmente, acredito que não saber de todos os detalhes torna a leitura mais cativante e por isso sugiro a leitura "no escuro". Porém, se mais detalhes forem necessários, basta pular para o final e ler a nota.

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Eu nasci em um dia frio.

Nas fotos e vídeos desse dia, é possível ver papai nervoso acompanhando mamãe com os olhos e a tocando como se fosse a criatura mais frágil do universo. Quando ele fala, há um misto de temor e de admiração em seu tom de voz, como se ele não acreditasse na verdade daquele momento e na força da mulher que está à frente dele.

Confesso que sinto o mesmo quando vejo esse momento, pois é difícil acreditar que aquele corpo tão pequeno aguentará as dores de um parto.

Mamãe está com as mãos nos quadris e anda de um lado para o outro, tentando diminuir a dor das contrações. Em seu corpo, um casaco de papai grande demais para ela; suas mãos estão parcialmente cobertas pelas mangas e sua barriga está perdida entre tantos agasalhos. Apesar da dor, nenhuma palavra de arrependimento sai de seus lábios.

Por muitos anos, pensei que seu silêncio era prova de sua força e que ela aguentaria mais coisas do que seu corpo magro poderia nos sugerir. Hoje, olhando todas as cenas desse dia, percebo que não se tratava de força, mas de amor.

Quando mamãe finalmente me pega nos braços, ela sorri.

Seu cabelo está despenteado e seu corpo molhado de suor, mas seu foco está todo em mim e seus olhos brilham como se seus músculos não estivessem doloridos depois de horas em trabalho de parto.

Não sei se há lágrimas misturadas com seu suor, mas sei que, se houvesse, estas seriam de alegria.

Não há mais dores e medos, apenas amor.

É com amor que papai olha para a mulher diante dele e para o pequeno embrulho em seus braços. É com amor que mamãe olha para mim e para o homem ao seu lado.

E não falo do amor que pode ser atribuído à ilusão da materialidade do sentimento que há entre eles, como se meu nascimento significasse o amor deles tornando-se carne. Falo do amor que vai além do sangue.

E se houve materialização de algo nesse momento, estamos falando da materialização de um sonho.

O sonho de uma família.

Mamãe sonhava com uma família grande – seis filhos, segundo minha avó – e papai compartilhava seu desejo por crianças correndo pela casa. Quando eles fecharam capítulos do seu passado e finalmente criaram coragem para arriscar um romance, minha chegada não demorou muito.

Portanto, quando sentiram o calor do meu corpo pela primeira vez, sentiram o início de um novo ciclo e de um sonho que por muitos anos sonharam separados um do outro.

E amor, claro. Sentiram muito amor. Tanto amor que me sufocaria se eu fosse o único filho – mamãe e papai, me desculpem, mas preciso falar a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade.

Eles tinham muito amor para oferecer e juntos resolverem realizar o sonho de ter uma grande família. Depois de mim, vieram mais quatro crianças. Duas biológicas e duas adotadas, pois, como falei, o amor que há entre eles não se limita ao sangue.

Nos registros do nascimento de meus irmãos, vejo a repetição do que aconteceu no inverno em que respirei pela primeira vez: o temor e a admiração nos olhos de papai, a dor na postura de mamãe e o amor nos olhos dos dois.

Irei te amar em todos os universosOnde histórias criam vida. Descubra agora