quinto.

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MARK


"Vejo piscinas, salas de estar e aviões"


Termino os exercícios em tempo recorde, nunca demoro muito já que sempre tenho "compromisso" depois. Ao contrário do que todos pensam eu tiro notas exemplares, nunca fiquei abaixo da média, estudar é como se fosse um hobby, se tornou divertido após anos de detenção.

Levo as folhas até a mesa do professor e dou uma leve encarada no outro garoto na sala, ele havia começado a bater a perna de novo, parecia nervoso e preocupado com algo. Deixei a sala e coloquei a mochila para frente, abri o bolso menor há procura do maço de cigarros e o isqueiro.

Pego um, o levo a boca e acendo ali mesmo, no corredor da escola. Passo pelos portões e desço a rua que leva a avenida principal, a cidade é pequena, mas existem muitas coisas legais por aqui, é só saber procurar. Chego a rampa que dá acesso ao pier e ando mais devagar já que o chão estava meio úmido.

Caminho até a ponta do vasto bloco maciço de concreto e me sento, deixo as pernas penderem no ar, como se estivesse prestes a pular dali a qualquer segundo, o primeiro cigarro já havia acabado, pego minha mochila e a abro a procura dos benditos.

Tive que abrir todos os bolsos até aceitar que eles não estavam mais lá, olhei em volta mas não vi nada, provavelmente esqueci de fechar o compartimento e os deixei cair em alguma parte do percurso. Decidi por ir até o posto e comprar um maço novo.

Quando me pus de pé avistei algo rolando pela ladeira, não dei muita bola, mas ao chegar a ponta do pier vi um garoto tentando amarrar os cadarços, ele balançava freneticamente as cordinhas sem sucesso. Ele me parecia familiar.

Comecei a ficar um pouco irritado, tenho certeza que estava parado observando-o tentar de tudo para unir os cadarços há alguns minutos. Inconscientemente andei até lá, me abaixei e atei-os fazendo um laço simétrico.

Observei o garoto tentando identificar alguma característica já conhecida por mim mas não consegui me lembrar de nada, a única coisa que me chamou a atenção foi o Band-aid rosinha da Hello Kitty em seu joelho.

— Obrigado — ele disse passando a mão no rosto, provavelmente estava chorando.

— Levanta dai — fiquei de pé fazendo-o erguer a cabeça em minha direção — vem comigo.

— Que?

— Eu disse vem comigo idiota — passei por ele subindo a rampa, quando cheguei ao topo o encarei — você vem?

— Tô indo — ele passou a mão no rosto novamente e correu até em cima, parando ao meu lado.

Comecei a andar em direção ao posto e ele me seguia, estava a alguns passos atrás de mim mas conseguia sentir que ele continuava lá. Não estávamos longe do estabelecimento,  chegaríamos rápido, mas decidi andar devagar pois o garoto mancava.

Avistei a enorme construção se aproximando, virei a cabeça para trás para checar se ele ainda estava ali, e estava. Chegamos no prédio e tirei as alças da mochila para pegar a carteira e senti o forte cheiro de gasolina entrar pelo meu nariz. Eu adoro.

— Espera aqui — apontei para a bancada com bancos altos do lado de fora da loja, ele obedeceu.

As portas de vidro se abriram e eu entrei, perguntei no caixa se eles tinham pomada e band-aid, disseram que sim. Um dos funcionários foi busca-los enquanto eu deslumbrava a parede atrás do caixa repleta de diversas marcas de cigarros, era o paraíso.

O funcionário voltou com uma caixinha de cada produto e colocou sob o balcão, apontei para uma marca aleatória de cigarros e mostrei minha identidade falsa fazendo minha melhor cara de pastel, foi convincente o suficiente, paguei e sai de lá.

O garoto estava sentado no banco da ponta com a cabeça apoiada nos braços, larguei a sacolinha sob a mesa e ele se virou para mim aparentemente confuso, peguei a pomada e a tirei da caixinha. Passei um pouco em meu dedo.

— Onde tá doendo?

— Nos joelhos, ah... e os cotovelos também — ele respondeu puxando as mangas para cima.

— Não vai chorar hein — passei a pomada nos machucados e o vi se esforçar ao máximo para não se contorcer.

Olhei para seu rosto, tinham alguns borrões vermelhos, cheguei mais perto (mais perto do que queria) e segurei seu rosto, tentei achar todos os cortes e acho que consegui, peguei os band-aids e sai colando-os pelo seu corpo.

Meti a sacola na mochila, mas antes tirei o maço de lá.

— Você quer um?

— Eu nunca fiz isso.

— Tem uma primeira vez pra tudo — ele acenou com a cabeça, tirei um dos cigarros e coloquei em seus lábios, rezei para não errar a boca dele.

Passei a mão pelos bolsos tateando-os a procura do isqueiro, eu ainda estava muito próximo do garoto, mais precisamente no meio de suas pernas. Achei o vermelho, só tenho coisas de cores chamativas para não perde-las facilmente.

Dei um tapinha no queixo dele que ergueu o rosto. Coloquei um dos cigarros em minha boca e guardei a caixinha na mochila, acendi a chama na primeira tentativa e aproximei o rosto do fogo acendendo os dois ao mesmo tempo.

Senti que ele observava o que eu fazia, acho que tentou me copiar, segurou o cigarro com o dedão e o indicador e puxou a fumaça. Ele fez algumas caretas e soltou a nevoa branca que estava em sua boca deixando uma tossezinha escapar. Eu ri.

— O que você achou?

— É estranho — ele falou enquanto eu pegava minha mochila, coloquei-a nas costas.

— Vou terminar esse lá embaixo — o garoto levantou do banco e parou ao meu lado de novo.

— Eu vou com você, já estou atrasado, melhor nem aparecer. — não entendi muito bem o que ele quis dizer, mas o vi estremecer.

Descemos a rampa, falei para ele tomar cuidado já que os band-aids haviam acabado, ele riu, cuidando onde pisava. Estávamos sentados na ponta do pier, os dois com as pernas pendendo no ar.

Era bom não estar sozinho, mas era uma pena, já que eu não enxergava seu rosto.

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