Era uma noite fresca de primavera, a lua quase desaparecia minguante no céu deixando como protagonista o brilho cintilante das estrelas. Os grilos cricrilavam criando a melodia que embalava a estrada até a sede do partido conservador Aliança Renovação para onde o jovem Hyungwon seguia levando o frango frito especial da família Chae. Eram nove horas da noite e o rapaz se sentia cansado, estudava exaustivamente para as provas de vestibular que faria dentro de alguns meses e ainda ajudava como entregador no restaurante dos pais, só queria poder dormir um pouco.
A estrada deveria estar vazia, no entanto, um carro parado sinalizava precisar de ajuda e sem pensar muito no que fazia estacionou a moto, retirou o capacete e arrependeu-se amargamente quando reconheceu o motorista: Lee Kang-Soo. Odiava aquele homem e seus modos, sempre tentando se aproximar dos adolescentes, pegajoso, com conversinhas ambíguas e ainda assim respeitado como um homem de bem naquela pacata cidade, um proeminente cidadão que participava dos cultos todos os sábados, um dos líderes do Renovação, um pobre viúvo solitário de 48 anos que pagava por garotos de programa durante as madrugadas.
Enquanto posicionava o macaco para que o homem pudesse fazer a troca do pneu pelo step, Hyungwon sentiu um cheiro forte que lembrava hospital, seu corpo inteiro retesou pressentindo o perigo, mas antes que pudesse levantar foi rendido. Sentiu o clorofórmio intoxicar suas narinas e queimar a faringe, mesmo que seu cérebro ordenasse o contrário, seu corpo foi ficando cada vez mais mole, sentiu que mergulhava num abismo frio e escuro. O pânico dominou seu corpo que se debatia na vã tentativa de conseguir se salvar, mas em pouco tempo só restou a escuridão.
***
Abriu os olhos lentamente, não conseguia respirar direito, gemeu um pouco, mas não tentou se mexer, deixou o corpo entregue à inércia enquanto recobrava os sentidos lentamente.
"Ó, não, não, ele não chegou a fazer a entrega, minhas colaboradoras ficaram esperando até ainda há pouco, mas o rapaz não chegou... Ah, sim, se elas o virem eu aviso sim... não se preocupem, ele é jovem deve ter encontrado os amigos e esqueceu do compromisso ... tudo bem, boa noite!"
Ao escutar aquela voz asquerosa sentiu um choque atravessar a espinha se dando conta do que havia acontecido. Sentiu o corpo começar a tremer e tentou levantar, não conseguiu, estava preso, deitado em uma cama com os braços e pernas amarrados, o corpo formando um 'x'. Sentiu nitidamente o tecido acetinado em baixo de si e notou que estava nu, tentou gritar, mas sua boca estava amordaçada. Tomado pelo desespero perdeu a racionalidade e como um bicho sacolejava enquanto chorava e tentava gritar.
A agitação de Hyungwon atraiu a atenção do homem, que surgiu no campo de visão do garoto, deixando-o ainda mais desesperado. Ele se aproximou e tocou em sua face, num inapropriado gesto delicado, quase carinhoso, com suas mãos imundas e frias.
"Tão bonito, ó não, não fique tão agitado, não quero que você fique feio, eu vou te fazer se sentir tão bem..."
O rapaz continuou inquieto, seus instintos gritavam: Fuja!
"Sabe, eu sempre te achei tão lindo, você parece a branca de neve com esses lábios e esse cabelo, você tem ideia do quanto eu te quero?"
Hyungwon chorava, o ar faltava, as ondas de náuseas eram mais frequentes a cada toque daquela criatura repugnante. As veias em seus membros saltavam pelo esforço, estava cada vez mais avermelhado e sufocado, nunca sentiu tanto pavor em toda a sua vida, mas não parava de se sacudir, lutaria como pudesse, até que recebeu o primeiro golpe. Um soco no estômago, todo ar dos pulmões escapou pelas narinas.
"EU DISSE PRA FICAR QUIETO!
VOCÊ É MINHA PUTINHA AGORA, EU MANDO E VOCÊ OBEDECE!
PARE DE CHORAR!"
Ele não parou, sentia como se seus olhos derretessem, pois, suas lágrimas eram a forma que seu corpo gritava aterrorizado. O homem então perdeu a paciência, montou sobre o rapaz e apertou seu pescoço com ambas as mãos. O corpo jovem contraía violenta e involuntariamente em espasmos cada vez mais lentos enquanto cada uma de suas hemácias implorava por oxigênio. Não demorou muito, mas para Hyungwon levou toda uma eternidade até que tudo ficasse quieto e só restasse a escuridão.
***
Son Hyunwoo despertou em um sobressalto, levou as mãos ao pescoço em um gesto defensivo e inspirou todo o ar que podia de uma só vez. Foi tão real, ainda era capaz de sentir as mãos daquele homem. Um sonho, só um sonho, repetia mentalmente, só a porra de um fodido sonho realista, precisava acreditar nisso.
Era dia, estava dentro de sua caminhonete e cheirava a álcool, não fazia a mínima ideia de como chegou até ali. Levantou o rosto em direção ao espelho retrovisor e não conseguiu evitar o grito: seu rosto estava manchado de sangue seco, as lágrimas foram reais. Atordoado abriu a porta do carro e caiu de joelhos vomitando na grama.
Conseguiu se recompor após longos minutos respirando fundo, olhou a sua volta, nenhum sinal do lago ou do bangalô de Hoseok. Encontrava-se na estrada que cortava a cidade, uma região que desconhecia, mas lembrava-se do recente pesadelo: "Foi aqui que aquele garoto foi capturado", concluiu.
Abriu a caminhonete e pegou uma garrafinha d'água que estava no banco traseiro, bebeu dois goles e usou o restante para lavar o rosto. Precisava recobrar a razão. Procurou pela carteira e o celular, estavam no porta luvas onde também encontrou um cartaz de onde a foto de um rapaz o encarava. Era a aparição, a mesma que o assombrou no lago e na estrada, mas dessa vez seus olhos estavam vivos, castanhos e sonhadores, como se tivessem a certeza de que teriam uma longa vida para ver ainda muitas coisas. Seu nome era Chae Hyungwon, o entregador de 18 anos desaparecido há quatro dias, o mesmo garoto assassinado em seus sonhos.
Ainda encarando a imagem no papel escutou a aproximação de um carro que logo estacionou perto de onde estava. Era uma viatura policial, dois homens uniformizados desceram sem muita vontade e se dirigiram a Hyunwoo, o mais velho deles perguntou:
── Você é Son Hyunwoo? ‒ Ao receber uma afirmação com a cabeça o homem continuou ── Viemos averiguar a informação que o senhor passou, onde foi que a viu?
Hyunwoo ergueu as sobrancelhas surpreso, não lembrava de ter chamado a polícia nem de qualquer coisa que tenha falado. Abriu a boca pronto para se desculpar quando a voz soou em sua cabeça: "Siga em frente cinco metros dentro do bosque". Disfarçando o medo encarou os policiais para ver se eles também ouviram aquilo, aparentemente não, então decidiu que o melhor era agir com naturalidade e guiá-los, também estava curioso.
E como a voz havia dito, lá estava ela, a scooter laranja dos Chae, displicentemente largada entre as árvores, a primeira prova de que algo muito ruim poderia ter acontecido ao jovem desaparecido há poucos dias.
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Escrever a morte do Hyungwon doeu muito, sério. Se você também odeia o Kang-Soo deixe aqui sua indignação.
Não esqueçam de votar, ta bom?
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Olhos Sangrentos
HorrorChae Hyungwon desapareceu misteriosamente quando fazia a última entrega da noite para o restaurante dos pais. Quatro dias após o sumiço do jovem, Son Hyunwoo, um policial de Seul estressado e frustrado, chega à insipida cidade de Mujigun em busca de...