Memórias da Menina

O Bode

Eu sou aquilo que existe no fim

De cada dedo apontado

De palavras que desqualificam

Ditas sem a menor consciência para mim

Eu sou o bode expiatório

Para carregar todas as suas culpas sobre os lombos

Você pode enxergar só os meus erros

Assim consegue ofuscar os seus, encobrindo em uma cortina

De sombras escuras onde ninguém os vê

Enquanto você escancara meus defeitos sob a luz

E os dedos continuam apontando sem parar

As palavras carregadas de ódio e julgamentos não param de ser cuspidas

E eu vou carregando suas culpas com as minhas

Sentindo esse fardo pouco a pouco me esmagando

Mas ninguém se importa, afinal, eu sou o bode expiatório.

Eu sou aquilo que é diferente

Não sou a ovelha branca como as outras que seguem seus padrões

O diferente é tão fácil de culpar, afinal de contas

Eu sou o sacrifício e você diz que sou tudo o que há de mal

Rótulos e mais rótulos eles servem para justificar

O mal que você me faz para que ninguém possa te culpar

E você satisfaz o seu sadismo interior 

Dia após dia, torturando e apontando

Vendo pouco a pouco minha alma e senso de mim se desfazendo

Você se satisfaz quando eu acredito em você e penso que sou o mal

E deseja que eu sinta tanta culpa de tudo aquilo que você não para de apontar

Porque assim eu fico fraca e você pode me manipular

Você quer que eu faça, pense e fale do seu jeito

Mas ainda que eu abdicasse de toda a minha personalidade

Você não ficaria satisfeito

Porque você sente prazer em apontar, apontar, apontar

Somente aquilo que você vê como defeito

Porque só assim você se satisfaz consigo mesmo

Você precisa do bode para ter alguém para inferiorizar

Porque você sabe que é um merda sem valor bem lá no fundo

Você sabe que você não presta

E tendo alguém pra jogar no chão faz você se sentir superior

Você sente alívio cada vez que joga na cara os meus fracassos

Porque assim você se esquece dos teus

Então você aponta para o bode sem dar trégua

Diz que sou a causa de todos os problemas

Ignora o fato de que sua vida já era uma merda

Muito antes de eu estar aqui

E no dia em que eu não estiver mais aqui

Padecendo sob o peso das suas culpas 

Talvez você encontre um novo bode expiatório

Para continuar a carregar

Afinal o bode é importante

É preciso ter alguém para se culpar.