Anjos no Aquário - Julio Emilo Braz

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Diário de Tina

Este beijo em tua fonte deponho!

Vou partir. Em bem pode, quem parte,

francamente aqui vir confessar-te

que bastante razão tinhas, quando

comparaste meus dias a um sonho.

Se a esperança se vai, esvoaçando,

que me importa se é noite se é dia...

entre real e visão fugidia?

De maneira qualquer fugiria.

O que eu vejo, o que sou e suponho

não é mais do que um sonho num sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia

de uma praia, que a vaga tortura.

Minha mão grãos de areia segura

com bem força, que é de ouro essa areia.

São tão poucos! Mas fogem-me, pelos

dedos, para a profunda água escura.

Os meus olhos se inundam de pranto.

Oh! Meu Deus! E não posso retê-los,

se os aperto na mão, tanto e tanto?

Ah! Meu Deus! E não posso salvar

um ao menos da fúria do mar?

Que vejo, o que sou e suponho

será apenas um sonho num sonho?*

Deixei esse poema rabiscado num pedaço de papel debaixo da porta de Mauro. Será que ele receberá? Será que ele compreenderá? Não sei. Estou confusa. Morro de medo do futuro, da vida que me espera amanhã, do tempo que passa, que passa e me angustia. Mauro, Mauro... por que você não diz nada? Que boba! Como pôde? Você não sabe. Ninguém sabe. Tenho medo de contar. Devia. Mas não encontro coragem. Eu, que sempre fui covarde e muitas vezes recuei para não enfrentar o que quer que seja, estou morrendo de medo, simplesmente aterrorizada. Como posso contar? O que todos dirão? O que você vai fazer se você não pode fazer muito nem por você mesmo?
Sinto que vou enlouquecer. Temo os olhares, pois quase sempre vejo desconfiança neles, o brilho maledicente de quem descobre um segredo zelosamente guardado no silêncio. Tenho a consciência culpada e não sei por quê. Talvez seja o segredo. Não gosto dele. Não gosto da mentira. Tudo é inócuo. Eles vão descobrir mais cedo ou mais tarde. Deus! Eles vão sim!
E depois?
O que vou fazer grávida e sozinha numa cidade como São Paulo?
O que vou fazer sozinha?

*Poema Um sonho num sonho, de Edgar Allan Poe.