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Tina.

Ana.

Cris.

Ana Cristina.

Tina.

Tina está sem sono. Rola na cama. Pensa em levantar. Os olhos ardem. Olheiras. Pensamentos sombrios. Os nervos à flor da pele. Mauro não responde. Sua mãe espreita, o faro aguçado, como que pressentindo que algo estranho ou pelo menos diferente está acontecendo.

    Ela continua chamando-a de Cristina. É a única. O pai inventou Tina e todo o resto da família, os amigos e vizinhos assumiram o apelido. Menos sua mãe. Ela não gosta dele. Insiste em Cristina. As perguntas tornam-se mais frequentes e as respostas, cada vez mais difíceis. Logo, não haverá como esconder a verdade. Ela se tornará constrangedoramente visível.
Meu Deus, que tormento!

Como dormir?

Tina.

Tina. 

Tina.

Tina não dorme há mais de dois dias. Tem medo. Pensa em Mauro, que não pensa mais nela. Que desapareceu. Que a deixou sozinha. Ela não quer acreditar mas parece que ele a deixou sozinha.

    Tina não liga mais. Parou de procurá-lo em sua casa. É inútil esperá-lo na saída do colégio.

    Tina não dorme há mais de dois dias.

Vira na cama.

Acende a luz. Apaga a luz.

Nervosa, chora.

***

Diário de Tina

Será que ele encontrou o  poema? Por que não aparece? Por que não diz nada? Pensei que reprensentassemos alguma coisa de muito importante um para o outro. Onde está Mauro? Por que ele não liga?
    Bobagem. Se ele ligasse, certamente meu pai atenderia e desligaria na cara dele. Foi o que papai sempre fez quando o pegava ligando para cá. Não, Mauro sabe que é perda de tempo ligar.   
    Mas então por que não um bilhete? Qualquer coisa eu me contento com tão pouco. Eu só queria saber se ele está vivo, que eu carrego parte dele comigo, que vamos ter um filho.
    Será que ele não está interessado? Será que ele está com medo de papai?
    É , na última vez que Mauro apareceu aqui em casa, papai praticamente o enxotou. Pensei até que fosse bater nele. Nunca vi papai tão nervoso e dedicado. Se ele fosse sempre assim, talvez... é, talvez...
    A família do Mauro não me tratou muito diferente. Apenas foi mais educada. Fria, eu diria. Eles também não querem um filho deles envolvido comigo. Uma garota branca?, eu ouvi a mãe dele perguntar, tão contrariada quanto meu pai.
    Estão todos contra nós. Aposto que agora mesmo ela aproveitou para encher-lhe os ouvidos contra mim. Deve ter até arranjado uma outra garota para ele. As irmãs dele têm tantas amigas. Sei que ela queria que o filho gostasse de uma garota da cor dele. Ela disse.
    O amor não tem cor, dona Maricota , eu disse e ela riu como se tivesse acabado de dizer a maior bobagem que alguém poderia dizer. Vi o rosto de meu pai no rosto dela, o seu sorriso cruelmente indulgente nos lábios dele. Eles são absolutamente iguais.
    É, o preconceituoso não tem cor. Apenas um grande problema.
    Não durmo. Como poderia dormir sabendo que amanhã eles não estarão  mais aqui, que irão embora sem que Mauro saiba do filho, sem saber se as cartas que mandarei para ele chegarão  realmente em suas mãos?
    Morro de medo do tempo. Ele vai fazer o que eu não tive coragem de fazer, vai mostrar minha gravidez aos meus pais. Não há nada que eu possa fazer contra isso. Ou melhor, há, mas eu não quero. É meu filho e se ninguém mais o quiser, eu quero.
    Gostaria sinceramente de me abrir com alguém. Meu pai, não. Minha mãe. É, minha mãe. Ela é mulher e talvez compreendesse essas coisas. Não consigo. Sempre que olho para ela, encontro alguém com mais problemas do que eu. Talvez ela precise de alguém com quem se abrir , mas duvido que faça isso comigo. Tememos uma a outra é não vejo como poderemos remediar essa situação.
    Mais uma noite sem dormir.

Anjos no Aquário - Julio Emilo BrazOnde histórias criam vida. Descubra agora