oneshot

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I.

Nunca soube muito bem por onde começar, ou quando exatamente tudo começou. Talvez os olhares que trocaram, cheios de significados, tenha sido o início. Talvez as entrelinhas das cartas que trocaram tenha sido o início. Talvez.

Um olhar furtivo, um abraço mais demorado. Uma aproximação mais calorosa. Apesar de tudo, Korra achava que não iria conseguir, que não conseguiria ter coragem, que existiam outras coisas mais fáceis do que dizer tudo o que se passava em sua cabeça.

Ela suspirou, derrotada, e sentou-se na cama sobre os lençóis bordados e caros assim como tudo no quarto de Asami, com os cotovelos apoiados nas pernas e as mãos nervosamente deslizando sobre o rosto a cada minuto que se passava. Duas caixas vazias de lámem da noite passada que pediram no delivery estavam sobre a mesa de cabeceira, com os hashis de madeira amontoados um sobre o outro. Aquela noite havia sido um teste fracassado sobre o quão normal ela se comportaria quando estivessem sozinhas de novo. E já havia se passado um bom tempo desde que as duas puderam estar desse modo, sem interrupções.

Estarem sozinhas não significava necessariamente que as coisas fluiriam mais fácil, mas no fundo Korra sabia que não precisaria de uma confirmação. Ela podia sentir, nos gestos, nas palavras não ditas, o quanto Asami também tentava manter seus sentimentos escondidos — porque entendia completamente o quanto seria difícil conversar sobre isso sem que saíssem machucadas. Talvez estivesse esperando uma brecha, um momento melhor. Uma oportunidade como aquela.

Mas então ouviu o barulho do chuveiro e a voz de Asami, um pouco longe, porque assim como tudo naquela casa, o quarto também era enorme. E havia roupas espalhadas sobre a cama, as cortinas entreabertas deixando escapar para dentro um pouco da brisa fresca da noite, havia as paredes azuis com prateleiras de livros, e havia o cheiro dela também.

Foi só se dar conta disso que seu coração disparou, com a súbita adrenalina. Não era algo agradável ter tudo o que gostaria de dizer ensaiado na cabeça sem conseguir colocar para fora em palavras. Tentava se convencer, em vão, que Asami não havia reparado nas olheiras que surgiram da noite para o dia desde que chegara em Republic City. A insônia frequente por pensar demais e agir de menos.

Sabia que Asami não estava sendo ingênua, como se não soubesse o que significava chamá-la para dormir em sua casa ou compartilhar com ela a própria cama, saírem juntas pela cidade e trocarem olhares que apenas elas compreendiam. Então as coisas pioraram. Korra não conseguia dormir, com aquela vontade súbita de acordar a outra garota e dizer tudo aquilo que estava entalado na garganta há anos, e querer confirmar se ela sentia o mesmo, querer abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem de novo, de alguma forma. Mas ela apenas continuou a se revirar na cama, guardando tudo para si, às vezes observando Asami e seus longos cílios escuros, sua respiração lenta e compassada, sua pele de porcelana. Com medo de perder por um segundo o vislumbre de toda aquela beleza que fazia seu coração disparar, com medo de perder por um segundo a garota ao seu lado.

Ela sentiu um aperto no peito só de pensar nisso. Já havia chegado a um ponto que seria impossível voltar.

II.

Elas não se viam a mais tempo do que Korra poderia contar, mas ainda assim a presença da outra garota causava uma agitação estranha e transformava sua mente num caos. E claro, nada foi tão constrangedor como daquela vez. Três anos não é um simples "até logo". Ainda mais três anos sem que ela mal respondesse as cartas dos amigos — menos as de Asami. Sentir falta dela não era o mesmo que sentir falta de Mako ou Bolin. Não era o mesmo que sentir falta de seus pais. Era algo que doía à menor lembrança do sorriso dela, uma dor crescente e nostálgica, sempre. Constante. Insuportável.

E bem ali à frente, Asami sorria. Três anos de saudades e três anos de culpa.

Três anos.

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