De Lírios

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Um estrondo alto fez meu corpo tremer. Eu conseguia sentir as pedras cortando a pele dos meus pés, abrindo vincos rasos e dolorosos, mas eu não podia parar de correr. Minha respiração falhava tanto pelo esforço quanto pelo ar sujo de fuligem e minha visão já se embaçava. A cada batida do meu coração, um novo detrito do vulcão pousava no chão verdejante da ilha, matando as belas flores azul e lilás que coloriam o chão. Lírios cujo perfume já não se podia sentir e que morriam com as cinzas, assim como eu morria, sentindo a vida do meu amado se esvaindo. 

Eu o via de longe, mais ao pé da montanha, onde a grama encontrava a areia macia que recebia as ondas do mar, onde os vegetais floresciam mais brilhantes. Ele me chamava com os olhos, também sabendo eu não me demoraria a encontrá-lo no pós-vida, mas ainda magoado porque estaríamos nos deixando por um momento. Seu corpo repousava por entre os lírios, sua pele dourada enfeitada pela grama e pelas cinzas e destacada das cores frias das pétalas que um dia foram testemunhas do quanto nos amávamos.

Que agora testemunhariam a dor de nossa breve separação, mesmo que ela fosse por segundos. Meu corpo cedeu assim que o alcancei, meus joelhos tocando o chão pouco antes de eu me arrastar para encostar nossos rostos. Por um instante, desejei morrer primeiro, para não sofrer a agonia de saber que vivi num mundo no qual meu amor não existia mais, mesmo que por breves instantes. 

Porém, o que senti me machucou tanto que pedi aos céus que o levassem logo, para que ele não sofresse. Eu aceitaria a dor de vê-lo partir de isso significasse que ele não mais choraria. Senti sua mão fracamente tocar a minha, entrelaçando nossos dedos. Era como um eu amo você silencioso. Forcei meus olhos a se abrirem e ele me encarava. Minha mente, de repente, se encheu de imagens e o rosto dele preenchia todas elas, mas com cores e adereços diferentes, em tempos e ambientes diferentes. Quando acabou, percebi que ele havia visto a mesma coisa e sorrimos em meio a dor. 

O universo havia nos dado um último presente. Memórias futuras e insubstituíveis. Cada uma de nossas passagens por essa terra, as vidas que ainda teríamos. E ele seria meu em todas elas. Eu seria dele em todas elas. Os lírios assinaram a união eterna das nossas almas e nos uniria para sempre. Eu nunca quis tanto beijá-lo. Seu aperto em minha mão, no entanto, afrouxou e seus olhos se fecharam. Meu amor soltou seu último suspiro e me deixou. Os céus me ouviram, o levaram primeiro, e me permitiram soltar uma única lágrima dolorosa antes que eu fosse buscar minha outra metade na morte.

Alguém sacudia Yoongi e ele tentava entender porque inferno seus pulmões queimavam tanto com a vontade forte de chorar. Seus braços, dessa vez, pareciam vazio demais, ele precisava de calor. Seus olhos transbordaram e ele não queria soluçar, mas era como se todas as últimas vezes que delirou antes estivessem começando a doer de verdade, vindo tudo de uma só vez. 

Ele só queria o abraço dele, só uma vez. Admitiria toda a loucura se isso trouxesse o dono daquele rosto para que lhe abraçasse.

— Moço, por favor, se acalma! – um rapaz dizia, segurando um ombro de Yoongi com uma mão e pressionando o celular contra o próprio ouvido com a outra – Hobi, tá me ouvindo? Hobi? Droga! – o rapaz guardou o celular no bolso e voltou toda a atenção para Yoongi – Olha, acha que consegue levantar? Moço?

Yoongi não conseguia parar de chorar. A represa finalmente rompera e ele queria derramar tudo. Seus ombros sacudiam a cada soluço e ele agora chorava alto. As lágrimas, porém, não lavavam a dor, que estranhamente aumentava a cada respiração. O rapaz pôs o braço de Yoongi ao redor do próprio ombro e o ergueu, saindo do elevador, que mais uma vez parara no hall.

Pode ouvir alguém gritando seu nome ao longe, passos apressados e sentir seu corpo sendo carregado até uma sala pequena. Conseguia notar o sofá macio no qual foi posto, Namjoon o acalmando sentado ao seu lado e também conseguia ouvir um choro baixinho vindo do lado oposto do ambiente. Por um instante, Yoongi achou ser o seu próprio, mas seus olhos finalmente se abriram e ele enxergou alguém numa poltrona mais próxima da saída. 

De Lírios [Yoonseok]Onde histórias criam vida. Descubra agora