Capítulo 02

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Gustavo tinha passado as primeiras horas de aula pensando na merenda; os pequenos espera-marés não tinham muita sustança; e em jogar bola no campinho da rodovia. Após comer com avidez o arroz com frango, feijão e farofa de fubá, acompanhado de um refresco deliciosamente muito adoçado de caju, Gustavo driblou a coordenadora de turma e fugiu da escola. Não tinha intenção alguma de assistir às demais aulas. Morta a fome, só pensava na bola e no campinho.

No campinho, um terreno baldio de terra batida, com ervas daninhas, lixo e entulho em toda a sua volta, às perigosas margens da rodovia estadual, encontrou sua galera sentada no chão, desanimada, esperando uns caras mais velhos, com seus quinze ou dezesseis anos, terminar de jogar.

Os garotos, num total de seis após a chegada de Gustavo, percebiam com raiva que os sacanas nem estavam mais com vontade de correr, só ficavam trocando passes, ocupando o campo.

Os garotos menores reclamaram sem muita expressão, pois sabiam que não tinham muito o que fazer a não ser esperar. Afinal, aqueles caras eram barra pesada, envolvidos com coisa errada, e não seria difícil se algum deles estivesse até armado. O jeito era esperar, com paciência, a boa vontade dos marmanjos.

– Ô viado, e agora? O que vamos fazê? – Era o Zarolho, impaciente, falando em tom baixo sentado ao lado de Gustavo. – Os pentelhos de velha não desocupam a moita.

– A gente espera – respondeu Gustavo olhando para baixo, escavando o chão duro com um graveto.

Os dedos machucados escavaram um pedaço de tijolo e ele o juntou ao montinho de pedras e restos de entulho no chão, perto do pé do Zarolho. Depois de um minuto, se levantou, deu alguns passos e se sentou entre o Gordão e o Boneco. Voltou e escavar e foi fazendo mais dois montinhos de pedras e entulhos...

Aos poucos, e com o passar dos minutos, os grandalhões foram indo embora até que apenas dois deles restaram. Eles se sentaram no meio do campinho, uns quatro metros entre eles e a bola descansando preguiçosamente bem no meio. Eles conversavam e riam sem pressa, não olhavam diretamente para os garotos menores, mas quando meneavam as cabeças de um lado para outro, Gustavo podia ver os dentes muito brancos do rapaz negro e os dentes amarelos e podres do branquelo.

Um desafio, era o que Gustavo sentia no peito juvenil, e não tinha vontade de fugir à luta. Então se levantou e começou a arremessar pedras nos dois rapazes. Com muita força. Logo seus amigos pegaram seus montinhos de pedras e entulhos e praticamente uma chuva de destroços caiu sobre os dois marmanjos que correram curvados, com os braços abraçando as próprias cabeças, deixando a bola no campinho.

Gustavo correu atrás deles, ainda lançando pedras, pegou a bola e correu de volta, ainda mais rápido, na direção da comunidade. Todos os meninos correram para suas casas com gargalhadas altas e ansiosas. Não teria futebol naquela tarde para eles, mas ao menos haviam dado uma dura em dois daqueles pentelhos de velha.

Espera-Maré (Conto em 4 capítulos - Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora