3. CONSTELAÇÃO

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       O medo é meu melhor amigo, ele nunca vai embora, e talvez ele sempre permanecerá aqui comigo.
       Quando finalmente me dou conta que estou desabrigado, só consigo sentir medo.
       Eu sei que algumas pessoas apontam que o medo é um mecanismo de defesa que te deixa em alerta para situações piores, mas não estou falando desse medo, estou falando do medo mais cruel de todos, do tipo que consegue corroer sua vida por completo, fazendo restar apenas uma única vontade: A de morrer.

       O vento noturno que percorre pelas ruas consegue ser quase anestésico. Observo as árvores, com folhagem verde e troncos amarronzados, que exalam o cheiro de algum tipo de perfume que não consigo decifrar.

       Eu poderia ir na casa de Lillian, ela poderia me acolher por pelo menos essa noite. Apesar de querer ir para a casa de minha amiga, ainda penso diversas vezes se quero ser um empencilho em sua vida.

       Lillian e eu nos conhecemos desde a infância, sempre estudamos juntos, até mesmo no ensino médio — Sabe aquele ditado, né? Do colégio pra vida, pois é, minha amizade com ela pode ser resumida a isso.

       Chego no ponto de ônibus. Sinto que os minutos estão passando mais devagar que o normal. O ônibus chega, as portas se abrem e dou passos rápidos para sentar-me em uma das cadeiras de trás, pois com certeza a viagem demoraria, ou não.

       Barcelona pela noite consegue ser calma, serena e misteriosa. As ruas com árvores nas calçadas e o céu noturno estrelado combinam perfeitamente, como uma pintura de Van Gogh. De repente um rastro de luz passa no céu, talvez possa ser uma estrela cadente. Na verdade, a única coisa que desejo é permanecer vivo, e definitivamente uma estrela não poderá me doar a vida.

       Não estou preparado para descer do ônibus, porque (1) o ar condicionado está ótimo e (2) está chovendo, e que merda! Está chovendo! Como as coisas nessa cidade podem mudar de uma hora para outra? Parece minha vida. Desço do ônibus, finalmente sentindo o cheiro do ar puro e de petricor. Sou eternamente grato por Lillian morar próximo de uma praça pública, o cheiro da natureza consegue me fazer sentir um pouco da ínfima paz que ainda resta no mundo.

       Eu poderia ligar pra ela, mas, infelizmente, minha mãe quebrou meu telefone. Se antes eu achava que estava na merda, agora parece que estou mais na merda ainda.

       Lillian mora em um prédio bastante excêntrico. As janelas de cada apê possuem belas cortinas, de diferentes cores. Mais acima, no topo do prédio, ramos com folhas descem, formando linhas sinuosas que se destacam na parede branca opaca. Até que é uma bela decoração natural. Um porteiro, careca e rechonchudo, observa as pessoas na rua. Vou até ele e o mesmo me fita, com um certo ar de curiosidade.

       Explico a ele que preciso falar com Lillian. Ele vai até o balcão de atendimento dentro do prédio e pega um caderninho, suponho que esteja procurando o número dela. Logo em seguida ele pega seu telefone e o que me parece está ligando para alguém. Espero. Ele volta, e então diz:

       — Ela lhe espera no segundo andar, apartamento 19. Suba as escadas e dobre a direita. Tenha uma boa noite, senhor.

       Assinto. Passo pela porta e digo um breve obrigado. Subo as escadas rapidamente, às vezes até pulo um degrau ou outro para chegar mais rápido. O corredor é bem iluminado, com jarros de plantas próximo de cada porta. Chego perto da porta com número 19 e antes que eu pudesse bater ela se abre.

       Lillian é uma pessoa que vive dentro de uma bolha invisível de vaidade: Seu cabelo preto ondulado está sobre os ombros, o pijama cinza de flanela é bem bonito. Sempre soube que ela prezava pela beleza, até mesmo quando está pronta apenas para dormir.

Sob Nossa Noite (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora