[0.1] - Prólogo

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Prosopagnosia (pro.so.pag.no.si.a) s.f. 1. incapacidade de reconhecer o rosto das pessoas, geralmente como consequência de dano cerebral. 2. estado em que todas as pessoas são estranhas a alguém.

NARRADOR (ON)

O Sol regia o início daquele dia em Busan, e sua luz atravessava o pano fino da qual eram feitas as cortinas do quarto de Seulgi. A mesma estava deitada sobre o colchão macio de sua cama, aproveitando a quentura que uma manhã ensolarada de verão a proporcionava, enquanto alguns fracos raios de Sol iluminavam parte de seu rosto, e revelavam a beleza de suas íris agora não tão escuras.

Suas lembranças passeavam pelo quarto, e aconchegavam-se nas palavras de seu livro favorito, enquanto sua imaginação voava por entre as nuvens tão brancas quanto a neve, que encontravam-se enfeitando a bela imensidão azul turquesa em que se encontravam.

O agradável aroma dos bolos de chocolate, produzidos na confeitaria ao lado da casa da Kang invadia o cômodo em que a mesma estava, e despertava uma leve fome na garota, que amava saborear os doces feitos por Ji Eun, dona do estabelecimento vizinho.

Porém, havia um doce que não poderia faltar: o bolo red velvet, principalmente quando o mesmo era recheado com ninho, e vinha acompanhado de uma das famosas trufas recheadas de IU.

As paredes do quarto da coreana eram pintadas em um tom entediante de cinza, enquanto os móveis se baseavam no enjoativo branco. Os livros encontravam-se perfeitamente organizados em ordem alfabética nas prateleiras, e seu armário estava repleto de camisetas em uma cor clara de verde pistache.

Alguns cadernos - todos com capas na cor amarelo canário - estavam sobre a escrivaninha de Seulgi. Os mesmos carregavam as palavras presas na garganta da garota, e as lágrimas reprimidas que insistiam em correr por seu rosto durante as noites frias, em que o céu era belo, mas não podia ser apreciado pela coreana, pois a mesma se perdia em meio aos belos pontos brilhantes que nele existiam.

Ao se levantar, a Kang andou por todo o quarto. Enquanto caminhava por ele, observava o porta-retrato que estava no criado-mudo e, cautelosamente, seu olhar passeou pelos rostos que ali estavam, tentando juntar as peças daquele maldito quebra-cabeça.

Seulgi foi até o banheiro, logo se despindo, e inciando um longo e relaxante banho. Suas madeixas escuras - agora molhadas - tocavam suas costas nuas, e de seu celular ecoava o harmonioso som das notas melódicas que constituíam a música The Day After, do famoso pianista Yiruma.

Sua destra foi até o vidro embaçado do box, e com seu indicador, a garota salpicou a superfície gelada, como se desenhasse as estrelas do céu. Ao terminar, ligou os pequenos pontos, formando algo extremamente parecido com o que tanto amava: a constelação Apus.

A coreana então continuou a formar constelações no vidro do box e, ao terminar, a Kang se sentia como uma bela e brilhante estrela, que pairava em uma imensidão escura chamada céu, pertencendo a mais bela constelação, juntamente de outros lindos pontinhos incrivelmente brilhantes.

Após mais alguns minutos, a coreana terminara seu banho, e então, seus pés tocaram o tapete de veludo que estava no chão do banheiro. O mesmo era tingido em um tom forte e intenso de vermelho, que entrava em contraste perante o banheiro completamente branco, desde o chão, até as paredes e o teto.

A coreana pegou sua toalha, e a mesma era tingida em um tom claro de azul tiffany, e o tecido tocara cada centímetro de seu corpo nu. Ao terminar, a garota vestiu suas peças íntimas, e vestiu também uma de suas camisetas verde pistache, juntamente de uma calça jeans escura.

O olhar de Kang encontrou o espelho do local, e o mesmo já não estava mais embaçado, porém, a imagem do rosto angelical da garota não era bela aos seus olhos. Era um quebra-cabeça desmontado, com suas peças jogadas ao ar.

Era a prosopagnosia agindo sobre Seulgi.

Uma lágrima solitária passeou pela bochecha rosada da coreana. Sua destra estava trêmula, e com o resto de coragem que tinha, com o último pingo de esperança que lhe restava, fechou os olhos com força, e então, sussurrou:

- Por favor, monte este quebra-cabeça... - A Kang esperou alguns segundos, e logo abriu os olhos novamente, encontrando mais uma vez seu rosto desconhecido.

Encontrando, mais uma vez, seus olhos, sua boca, seu nariz, todos os pedaços que não foram organizados para que ela pudesse reconhecer seu rosto.

Seulgi caminhou até sua escrivaninha, e se sentou na cadeira giratória que havia ali, logo pegando um de seus cadernos amarelo canário, e uma de suas canetas de tinta preta, começando a escrever:

"Na parte de trás do cérebro, em cima da orelha direita, existe uma área específica responsável por identificar rostos, chamada 'giro fusiforme'. Basicamente, o giro fusiforme das pessoas que possuem prosopagnosia, é defeituosa, ou está 'desconectada'. Muitas pessoas com prosopagnosia também têm dificuldades em reconhecer carros e lugares, o que faz com que elas se percam com facilidade, além de que também podem ter problemas de audição.

A prosopagnosia é crucial para descobrir como o cérebro processa os objetos em geral. Durante muito tempo, nós (seres humanos) consideramos esse órgão uma coisa só, porém, recentemente, estamos descobrindo todas essas 'máquinas individuais' que não interagem entre si, mas que fazem parte do cérebro."

E então, a Kang parou de escrever. Parou porque doía muito dizer - indiretamente - para o papel que ela precisa de ajuda. Porque doía muito lembrar que ela faz parte dos 2% de pessoas que possuem prosopagnosia. Porque doía muito ver os retratos existentes em sua casa, sem conseguir distinguir, ou ao menos identificar aqueles que estão nas fotos. Porque doía muito carregar esse peso consigo, e vê-lo aumentar com o passar dos dias, dos meses e dos anos. Porque doía muito ter de reconhecer as pessoas pela forma de se vestir, pelo modo de andar, pela cor do cabelo, ou até mesmo pelo número de sardas.

Porque doía muito saber que ela jamais reconheceria o belo rosto de Irene.

O Rosto Do Amor [❀] SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora