Coisas grandes são formadas por diversas coisinhas menores. Quando levantamos todos os dias de manhã achamos que aquele é só mais um dia, mas às vezes uma pequena ida a uma padaria pode mudar toda a estrutura de nossas vidas. Quando você é policial isso acontece ainda mais frequentemente, um dia de trabalho pode acabar virando o último dia de sua vida em um piscar de olhos. Às vezes a vida tem a ver com está no lugar certo e na hora certa, nada é totalmente premeditado.
Quando por fim apreendi Carlos Fonseca eu achei que aquele caso estava encerrado, mas ele era apenas uma das coisinhas pequenas que me trouxeram onde estou. Uma pecinha em um enorme quebra-cabeça.
Apesar de já estarmos rastreando uma grande quadrilha de tráfico de drogas a alguns anos, nós nunca conseguimos informações suficientes para iniciar algum tipo de ação.
Fiquei obcecado com esse caso durante meses e quando por fim estava o deixando em stand-by, a informação que estive procurando por tanto tempo caiu em meu colo, sem nenhum esforço da minha parte. Quem diria que todas as minhas respostas viriam daquele galpão imundo.
Carlos tinha mais informações do que o esperado, e não hesitou em contar o que sabia em troca de redução de pena e imunidade. Entre essas informações haviam nomes, os primeiros que qualquer um conseguiu em anos. Foi assim que deixei de ser Rafael Fernandes e me tornei Ravi Muller.
Trabalhar infiltrado requer muito cuidado e demanda uma enorme quantidade de tempo. Você tem que começar adquirindo a confiança dos investigados, ser tão próximo a eles a ponto de te verem como um amigo.
Meu primeiro alvo foi David Paschaol, dono de um café hipster na área periférica da cidade, e que por de trás dos panos passava drogas a vários revendedores. Passei meses frequentando aquele lugar, construindo a história de Ravi, o mauricinho formado em administração que estava cansado da vida que levava, até que ganhei a confiança de David.
Logo éramos inseparáveis, melhores amigos e por fim consegui adentrar ao esquema. A partir daí não demorei para subir dentro da hierarquia, as qualidades necessárias para ser um bom policial não se diferenciavam muito das qualidades necessárias para ser um traficante filho da puta.
Alguns anos após tudo isso eu havia me tornado indispensável, e por fim estava chegando próximo do meu objetivo. Acabar com o mal pela raiz, prender a cabeça de todo aquele esquema sujo.
Eu havia sido convocado pelo próprio Cobra, braço direito do chefe, para fazer parte da equipe de comando. Porém, o endereço que eu havia recebido me levou a um lugar que eu não esperava.
Quando pensamos em operações ilegais sempre imaginamos lugares escondidos, galpões aparentemente abandonados ou coisas do tipo, mas o lugar que eu estava era o completo contrário.
Estacionei meu carro em frente a um shopping, que havia sido inaugurado a alguns anos atrás. Mesmo o céu já estando escuro, o movimento de pessoas ali ainda era intenso. Olhei mais uma vez para o endereço que eu havia escrito em um pequeno pedaço de papel, e só podia haver algo de errado. Mas as palavras ali escritas confirmavam que eu estava no local correto.
Retirei meu celular do bolso, era um modelo novo bem sofisticado. O tipo de coisa que o Rafael não veria necessidade, mas que para Ravi era o mínimo. Ele desbloqueou apenas com o vislumbre da minha face, não era o celular que eu usava para fazer ligações relacionadas ao meu novo trabalho mas eu havia salvo o nome que foi me passado ali, na pressa.
"Zoe C." As minhas instruções eram chegar ao lugar combinado e perguntar a qualquer segurança sobre esse nome, eu só não esperava que fosse um segurança de shopping.
Caminhei até a entrada principal, as portas se abriram automaticamente quando me aproximei, e uma lufada do vento frio bateu em meu rosto. Para quem estava esperando passar a noite em um lugar quente e imundo isso era o paraíso.
Me aproximei de um dos seguranças, a dúvida sobre o lugar ainda não havia me abandonado, mas que mal faria perguntar sobre Zoe C para um segurança de shopping? Ele provavelmente iria achar que era alguém que trabalhava ali.
– Boa noite. – o cumprimentei. – Estou procurando por Zoe C. – fiz uma pequena pausa antes de proferir o nome e pela forma que ele me olhou, franzindo a testa, ficou claro que eu estava no lugar certo.
– Fica no segundo piso, é a última loja no final do corredor ao lado esquerdo. – ele me respondeu de maneira simples, como se não fosse nada demais. Suas palavras calmas contrastavam com sua expressão.
Não fiquei mais muito tempo por ali, eu estava realmente curioso para saber o motivo deles terem me mandado para um shopping, aparentemente para uma loja. Subi as escadas rolantes, indo na direção que me foi indicada.
Zoe C. era uma loja de roupas femininas, as extensas vitrines exibiam roupas de diversas marcas que poucas pessoas teriam dinheiro para adquirir. As coisas estavam cada vez mais estranhas, mas esse último ano havia me feito acostumar em ser surpreendido. Entrei na loja com passos firmes, o cheiro de perfume de grife era forte e mesmo assim agradável.
– Boa noite. – uma voz sexy surgiu quebrando o silêncio. Ela estava ao meu lado e eu não sabia como eu não havia a percebido antes. Isso não era do meu feitio, eu estava sempre atento às coisas que aconteciam ao meu redor.
Seu rosto era a coisa mais bela que eu já havia visto. Cada traço parecia ter sido cuidadosamente planejado para formar uma obra de arte.
Era isso que ela era, arte viva.
Eu sempre fui muito ocupado com meu trabalho, não tinha tempo o suficiente para me manter num relacionamento. Eu tentei diversas vezes, mas as mulheres sempre desistiam de mim. E eu as entendia.
Quando as pessoas entram em um relacionamento, elas querem ser prioridade e isso não era algo que eu estava disposto a oferecer. Porém, eu ainda não havia ficado cego e muito menos era um celibatário. Minha miopia dizia que era mais fácil a primeira opção se tornar real. Foi impossível não me sentir atraído por ela.
– Posso ajudá-lo? Está procurando roupa para a namorada, imagino. – continuou. O tom de flerte era evidente em sua voz e o sorriso em seus lábios me faziam querer comprar todas as malditas peças daquela loja, só para continuar vê-la sorrir. Ela devia fazer um estrago.
– Não estou aqui pelas roupas, vim procurar um amigo. – eu disse, tentando dar a menor quantidade de informações possível. Esperava ver Cobra me esperando, não conversar com uma vendedora de uma loja de shopping.
– Então você é o Ravi.– ela sussurou, de maneira ainda mais sexy que suas palavras anteriores.
Olhei para ela sem conseguir esconder meu choque, ela não parecia ser o tipo de garota que estaria envolvida nessas merdas. Ela elevou sua mão até meu rosto e segurou meu queixo entre os dedos. Suas unhas estavam pintadas de um branco fosco que combinava perfeitamente com sua pele bronzeada e seus cabelos castanhos que haviam sido clareados pelo sol. Ela devia passar muito tempo na praia. – Você é bem melhor do que eu imaginei. – seus dedos ainda seguravam meu queixo e ela me examinava com o olhar. O sorrisinho de volta aos lábios.
E esse foi o início da minha perdição.
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Pior do que você possa imaginar
RomanceEu estava lá para acabar com um esquema de tráfico, não poderia dar sequer um passo em falso ou acabaria morto. Isso nunca havia sido um problema para mim mas com ela eu sentia como se estivesse em uma corda bamba, sempre perto de cair. O que me de...