NA MINHA INEXISTÊNCIA, EXISTO

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NA MINHA INEXISTÊNCIA, EXISTO

E aqui estou novamente, de volta para a inexistência da minha vida passiva e vencida. Tudo tão nítido e embaçado. Focado no ponto que me invoca e me enforca, aqui estou eu. 

Paralisado mas de pé, ouço o nada me chamar, ele diz: "corra, a vida é curta e a minha bondade também. Os ponteiros devem continuar". 

Poderia ser diferente, mas não temos muitas opções quando viver o presente nunca foi opção, mas condição. Enchendo o prato da vida, temos na primeira colher o idealismo, na segunda o realismo, na terceira o materialismo, na quart… "CRACK!"  

Cansado e sem coragem, aqui estou eu. Mas não tenho tempo sobrando para isso. Vejo escorrer as lágrimas da felicidade, que na sua inexistência chora, e com sua ganância suja. 

Ah os preparativos! Eles amam essa camuflagem, sou tão deles assim. O meu eu que existe neles é tão grato e satisfeito. Nem precisam tapar os meus olhos que possuem, só colocam um óculos, ou vários, um grau diferente para cada momento. E assim, uma versão minha é. 

É o jeito ter que se integrar a esse aroma doce e podre. Grandes sábias dizem que não somos todo mundo. Porém se não somos o mundo, não somos.

Rápido! Vão me deixar. 

Junto à eles, não tem espaço para mim. Ha, nenhuma novidade. 

E há quem diga que o apego garante felicidade, isto aqui está tão lotado e tão depressivo. Se enganaram meus caros, se enganaram. 

Uau, nossa. Focado na existência do paraíso, meus olhos babam. 

"BOOOM" 

A primeira camada foi quebrada, e nessa luta sou gato com lebre, por isso não posso ir de peito aberto para batalha. 

Ele me vê! 

Seus olhos pretos e profundos me arrastam por um rio subterrâneo. Me tocando, ele provoca  em mim um contínuo deleite. Ao me acomodar no seu assento, suspiros ofegantes revelam verdades e abrem as portas de uma realidade não punitivista, cujo as chaves, momentaneamente quebradas, eram imposições. 

 

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No momento, só o falo dele fala. Há muito tempo não tenho nada nítido para escutar, chiados são frequentes, mas a antena parece estar se alinhando. Então, se o falo fala, eu escuto. Assim como na captação de som espacial, ele recebe em silêncio através das minhas oscilações, das minhas idas e vindas, o meu regozijo. Ele sente a minha liberdade. 

Eu, sendo mais uma abelha explorada pelo sistema, logo incapaz de captar néctar e produzir mel, aceito e recebo a origem da vida que ele me oferece. 

Fixado na perdição que são seus olhos, como wifi, transmito meu sinal de gratidão. 

Despindo o resto da minha camuflagem, deslizo até sua nascente. Agora, sendo silenciado por minha autonomia, sinto o…

- Senhor - Disse a senhora. 

Sinto o seu…

- Senhor, essa é minha parada. 

Revestindo a minha camuflagem e trancando os portões que me condenam, respondo: também é a minha, senhora.

-  Então vamos - A senhora responde já impaciente.

Então vamos, eu disse. 

Ao levantar e me fundir à massa aglomerada e solitária, olho uma última vez para o rio que me permitiu ser, e me desligo. Porque na minha inexistência, eu existo.

 Porque na minha inexistência, eu existo

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⏰ Última atualização: Jul 07, 2020 ⏰

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