Que haja luz

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Jaci, Jeová e Asherah se posicionaram a minha frente. O Deus cristão claramente não estava feliz com minha terceira escolha. Os demais deuses ficavam observando, não pude deixar de reparar em Dionísio, parecia que em milênios nunca esteve tão sóbrio. Realmente me assustava o fato de que até o deus do vinho tinha parado de beber para ver meu julgamento. Se eu tivesse uma espinha, com certeza ela estaria arrepiada.

Os três escolhidos, liam o livro com atenção. Aquele silêncio me perturbava. Decidi intervir.

-- com licença, altíssimos? - eles me olharam imediatamente. -- temo não saber como isso vai procederá, será que podem me dar uma prévia?

-- Bom, vamos ler teu livro, sua vida vai passando ali no telão para que outros deuses possam acompanhar, vamos entrar num consenso e te dar a sentença. - disse Jaci.

-- Sério? Só isso? Sem defesa? Sem perguntas? Bem que imaginei que os deuses fossem um pouco egocêntricos. Desculpa. - quando vi já havia falado.

-- Você se acha diferente dos outros? Como ousa falar assim de nós? - Jeová falou.

-- Desculpa altíssimo, é que, bom, não acho que seja justo essa base de julgamento. Mas quem sou eu para achar alguma coisa. Prossigam.

-- Espere! - clamou Asherah. -- onde está o seu talismã para agradar teu Deus? Não lhe mostraram os objetos na entrada?

-- Era obrigatório? Sinto muito. Ignorei isso. Não trouxe nada comigo. - respondi com culpa.

Os deuses me olharam assustados. Parecia que finalmente eu havia cometido um pecado verdadeiro. Com certeza havia piorado minha situação.

-- Como assim não trouxe nada? Geralmente os cristão trazem cruz ou a bíblia. - gritou Atena.

-- Já pedi desculpas. Porque eu traria uma cruz? Onde está escrito que a cruz foi uma parte boa da vida de Cristo? Usei muito em vida, mas não acho que seria útil aqui. Bíblia? A bíblia não me ajudaria muito agora. Olha só vocês, cada um tem seu próprio livro. Porque escolher apenas um?

-- Esse mortal vai dar trabalho. - ouvi Tupã comentar.

-- Mas você Lia a Bíblia? - questionou Artemis.

-- sim. bom, " que haja luz e a luz apareceu", esse início não fazia muito sentido para mim. Por muito tempo duvidei de vocês, mas já devem saber, me recuso a olhar a parte da minha vida que se passa no telão agora. - respondi. - vamos acabar logo com isso. Só me digam a condenação.

-- Raphael Oliveira Nunes da cruz. Nascido em 05/05/2000, em Minas Gerais, filho de Francisco e Cátia. batizado, criado e crismado na igreja católica. Estudante de geografia, escritor e pesquisador das religiões...

-- É, esse sou eu. - falei.

-- Não conseguimos chegar a um veredito. Isso nunca havia ocorrido! - gritou Jeová.

-- por favor, Deus. Não grite. - falei. Agora fazia total sentido o porquê tantos cristão gritavam sem parar. Devem ter deixado ele surdo. -- O que vocês vão fazer comigo então?

-- Ainda não sabemos - disse Jaci

-- Me mandem de volta! Meu corpo ainda tá quente, kairós e Cromos podem fazer isso rapidinho. Amenadiel pode resolver a questão do tempo na terra. - clamei com esperança.

-- Isso não é possível. - disse Kairós. - Não podemos te mandar de volta. Muito menos voltar ao tempo.

-- Qual é. Vocês são deuses. Podem tudo. Creio que vocês têm mais o que fazer que ficar me julgando. Quem sabe, ouvir as preces que aquelas almas desesperadas fazem a vocês o tempo todo!

-- Raphael, você morreu acidentalmente. Porém isso não apaga o fato que você está morto. Entretanto não sabemos o que fazer com você agora. - Asherah respondeu.

Ah legal! Morto e sem destino. Nunca pensei que demoraria tanto para me julgar. Pelo que os mortais me diziam diariamente, achei que iria direto para o fogo do inferno. Não foi nem assim que as coisas aconteceram.
Geralmente, era agora que começava uma oração, iniciada com "Oi, sou eu. Se tiver alguém aí em cima..."
Era patético. Mas que eu estava perdido de qualquer forma. Resolvi sanar minhas dúvidas nos profundas.

-- Então eu não tenho destino ainda. Céus, inferno, reencarnação...

-- Pelo que parece sim. - o deus cristão respondeu.

-- Creio que vocês já devem ter visto essa frase no livro da minha vida. Mas, queria uma explicação do senhor, Deus. Porque? Porque tudo isso acontece? Fome, peste, gente inocente morrendo. Porque Asherah está fora das escrituras? Porque tudo isso?

Murmúrios começaram a surgir, dos deuses de luz fraca, até Alá e Maomé.

-- Silêncio! Como ousa falar assim comigo? Não tem medo do inferno? Acaso não sabeis que posso te enviar para lá em um estalar de dedos? - o deus cristão respondeu.

-- Não tenho medo de você!

Sons de surpresa e admiração ecoaram no salão.

-- Muitos te seguem por medo de irem para o inferno. Eu não. Te segui por respeito, por admiração a que Jesus havia dito sobre você! Sua imagem de vingança e punição não faz sentido. Ao menos não fazia até o presente momento. Todos os anos, milhares de pessoas morrem em seu nome, em seus nomes! Guerras santas! Como vocês permitem? Não tenho medo de ti altíssimo. Temia aqueles que diziam falar em seu nome.

-- nós não temos mais influência sobre vocês, mortais. - Poseidon falou - depois que livre arbítrio foi instaurado pelo Deus cristão, vocês ficaram incontroláveis. Não dá para ouvir e dar a vocês tudo que pedem. O que nos resta é julgá-los aqui.

Nunca pensei que estaria retrucando os deuses. Em uma tentativa barata de suprir o fato que eu ainda estava sem Destino. Sentei no chão. Bem em cima do "N"- norte - da rosa dos ventos.

-- Já que não tive resposta; qual será minha condenação? Não deve ser tão difícil assim julgar um jovem de 20 anos que morreu em um acidente.

Aquela altura, já estava perdendo a paciência com os deuses. Só me restava aguardar.

Todas as angústias, fraquezas, medos... Essas sensações eram diferentes no mundo de lá. A ansiedade consumia a alma de uma forma inquietante. Agora descobri o significado do ditado " vá em paz/ descanse em paz".

Resolvi ficar calado até que alguém falasse comigo. Por horas, falando no tempo terrestre, aquele lugar permaneceu em silêncio. Até que Jaci o quebrou:

-- Raphael, não chegamos a um consenso. Sua alma é pura e seus erros e acertos balanceados. Só existe uma maneira de te julgar.

Todos começaram a cochichar e murmurar. Até que Asherah completou Jaci.

-- Não podemos te mandar de volta, não podemos te mandar ao inferno, nem aos céus. Por tanto, vamos te julgar em base a suas convicções. Diga-nos suas dúvidas existenciais e a partir delas vermos para onde ireis. Ou, o que você será nesse plano.

-- o que eu serei? Como assim? - Questionei.

-- Podemos te transformar em anjo, demônio, te reencarnar ou te mandar para a paz/tormento eternos. - disse o Deus cristão. - isso ocorre com raridade. Parabéns meu jovem, você foi o um de um milhão.

Eu estava perplexo. Não sabia o que perguntar ou se devia. Porque tudo isso estava acontecendo. Eu só queria ter ido para a faculdade e voltado para casa. Se existisse deuses acima dos que já estavam ali, era hora deles me ouvirem.

-- seja o que Odin quiser. - disse.

-- Não tenho nenhuma ideia de como te ajudar, mortal. Não quero intervir nisso - respondeu Odin.

-- Desculpa, força o hábito. - respondi sem graça.

Morrer dava trabalho. Aquele brilho celestial me deixava tonto. Só queria saber meu destino. Espero que o motorista que tirou minha vida esteja em paz consigo mesmo. Pobre homem.

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