Nascido em berço católico, rodeado de tradições que nunca foram explicadas.
Sem entender o sentido de existir um Deus ou vários deuses. Questionando a fé e a razão.
Foi assim que vivi e cresci.
Antes da minha morte, lembro-me de pensar ser o fim. Que ali, após ser levado ao necrotério, ser periciado e me tornar estatística de acidente de trânsito, só me restaria descansar a sete palmos de terra. Permitindo que a natureza faça seu trabalho e os vermes tomassem conta de mim. Até restar apenas ossos e as jóias que me acompanhavam.Quando me deparei com os seis mil deuses, aqueles que sempre estudei na faculdade e pesquisei a existência e a religião na internet, vi que só me restava aguardar. Provavelmente minha família estava certa e eu queimaria no fogo do inferno.
Me assumi gay aos 17 anos. Julgado e excluído pela família, todos me condenaram ao fogo e ao enxofre, a condenação eterna citada na bíblia. Ah se eles pudessem me ver hoje!
Pra ser sincero, nunca temi a morte, nem acreditei que morrer tarde, com cabelos brancos e voz cansada era o melhor para mim.
Nosso cérebro não sabe o que acontece após a morte. Por isso, quando morremos em sonho, acordamos automaticamente.Alguns dizem que a religião é liberdade, outro que é prisão. Eu, por outro lado, acho que a religião, a fé, é uma necessidade humana. Mesmo se não cremos em divindades, cremos em algo. Seja na ciência, na humanidade ou no azul do céu.
Naquela manhã, antes do acidente, peguei meu colar de linha encerada e rosa dos ventos. Olhei para o crucifixo que deixei na cabeceira da cama. Há anos não usava ele. Minutos antes de morrer, olhei para o céu azul e perguntei se pudesse existir a possibilidade de algo depois da vida. Já parou para pensar? Deixar tudo e todos.
Só existia um medo que me acompanhava desde sempre: morrer sozinho. É, meu maior medo se consumou.Não me lembro de muita coisa, apenas o vidro se quebrando e o impacto do meu corpo contra o asfalto. Vi o outro motorista descendo com pressa e desespero, com as mãos na cabeça gritando " Meu Deus! Meu Deus! O que é que eu fiz?"
Se aproximou de mim e pediu para que não morresse. Infelizmente, não controlo isso.
O perdoei e senti a sensação de ser carregado.É irônico. É estranho.
A vida inteira questionei tudo e todos. Provavelmente fruto da revolta da rejeição gerada por minha família. O amor não deveria ser motivo de condenação.
Entretanto, a maior revolta é que dentre tantos filhos da puta que havia na família, onde todos se mostravam uns verdadeiros imbecis: Adúlteros, racistas, apoiadores da tortura. Eu, o único bem sucedido, em uma boa universidade, com emprego, carro e casa própria, era criticado e condenado por ser gay. Além de que, a justificativa deles eram Deus.
Ficava a pensar porque Deus permitia. Então era mais fácil não crer. Ou ao menos não explicar o porquê de tudo.Em vida, só tinha uma meta: ser feliz. E essa, atingi com êxito.
A diferença do otimista e do entusiasta é que um acredita que tudo vai dar certo e o outro faz dar certo.
Eu era um entusiasta cansado.Após minha morte, entendi a vida. E agora: a eternidade me espera.
Espero julgar um dos meus familiares um dia.
Em vida dizia que deixaria Deus se explicar e agora, deixarei os preconceituosos explicarem.E até lá, bem... Thor é um gatinho.
Os deuses não ligam para sexualidade. Não ligam para a monogamia, não ligam para a bebedeira. Mas ligam para o preconceito, ligam para o machismo, ligam para a exclusão.
E bom, os deuses podem até passar pano para vocês, mas as deusas, ah! As deusas; elas vão te fazer pagar e talvez, vocês podem ser perdoados. Até mais vê.
Aproveitem a vida e sejam entusiastas.
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julga-me se for capaz.
Short StoryRaphael tem a vida ceifada em um acidente de carro. E quando chega do outro lado, verá que todas as suas crenças serão questionadas perante a seu juiz.