O PESADELO

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O Pesadelo

|Peter

7 anos

Passamos por uma floresta, meu pai me trouxe para o meio do parque, está cheio de gente aqui, quantas pessoas querendo ver o buraco, duas crianças com a mãe, aquele menino está apontando para o fundo, ele está animado, olho para o meu pai, olho para as outras pessoas, estão indo e vindo de lá, vamos pai, eu também quero ver. Chegando mais perto, vai ficando mais fundo, estou com medo, eu quero ver até onde chega. É de terra, e tem água lá no fundo. Sinto minha mão escorregando da do meu pai, estou caindo, não! Era para ter olhado de longe, pai, por que você não me segurou? Você está indo embora? Não deixa eu cair, pai, não me deixa cair, eu vou morrer, você me deixou sozinho, está indo embora, volta, porquê? Pai eu vou morrer, o meu corpo, o que estou sentindo? É meu pai olhando lá em cima? Eu vou morrer, estou caindo, e vou bater na água, morri.

12 anos

Aonde está meu pai? Olho as árvores, ele deve estar no centro com todo mundo. O parque está cheio hoje, vem mais gente passando na floresta, por que tantas pessoas estão vindo para ver um buraco? Meu pai, está ali, não estou sozinho, vou correndo, cadê ele? Tem pessoas passando na minha frente, ele foi pra ali. Pai! Ele sumiu. Será que ele já foi embora? Ele vai me deixar aqui sozinho de novo? Eu estou vendo ele? Eu tenho que correr, eu não vou olhar o buraco se ele não tiver perto para me segurar. Pai! Pai! Você foi embora? Me deixou sozinho? Ele está indo! Estou vendo ele ali, no meio das pessoas que estão indo embora. Pai! Tenho que correr, tenho que correr, vou alcançar ele antes, tenho que correr. Eu não vi o buraco! Não vou conseguir parar! Tenho que frear, para! Não! Estou caindo, ele foi embora de novo, o meu corpo, o que sinto? Estou com medo, eu não quero sentir dor, não quero cair, eu vou morrer, eu não quero cair, não quero sentir dor, fecho meus olhos, não quero sentir dor, eu vou.

20 anos

Essa floresta, eu já conheço esse lugar, está diferente, sombrio, tem nevoa em todo lugar, tenho que ir até lá. Atravesso a floresta, chego no centro do parque, está vazio, olho para todos os lados, não há ninguém. Eu já sei, mas não vou olhar lá, tenho que desviar, eu vou voltar, você tem que olhar lá, olhe, eu não vou. Eu não posso evitar, tem algo me atraindo a esse buraco, meus pés estão me puxando para lá, eu não quero ir, mas eu tenho que ir. O que tem lá no fundo? Será que é muito fundo? Tem água, é o bastante para amortecer uma queda? Se eu bater lá no fundo eu morro na hora ou vou conseguir nadar? E alguém viria me resgatar? Tenho que voltar antes que aconteça, vou embora, vamos, sinto meu pé afundando, a beira do buraco cedeu, estou caindo de novo, tenho que me segurar em alguma coisa, não dá pra segurar em nada, estou caindo, não sinto meu corpo, está dormente, a luz redonda lá em cima, meus olhos estão se fechando, vou morrer, é assim que acontece, eu quero acordar, não quero sentir dor, é o fundo, estou chegando lá, estou quase, vai ser uma dor só, quero parar, não quero morrer, não, não,

— Não! — Levanto em súbito. Respiro fundo com a mão no peito e repito. Continuo assim até me acalmar, mas a respiração se mantém afetada e as lagrimas continuam escorrendo no meu rosto. Choro em silêncio por alguns minutos, até me conformar, aceitando o meu fardo.

— Por que eu tenho que passar por isso? Qual é o motivo? — murmuro. É uma visão para algo ruim? Não, é um pesadelo, isso não vai acontecer, não tem como acontecer. Estou com sono, mas não quero dormir, não posso dormir agora, tenho que manter os olhos abertos.

De repente me lembro dos sonhos que tive na minha infância, os que me traumatizavam de tempos em tempos. Os pesadelos com as bonecas da minha prima Liliam no ano em que ela morou aqui. Foi quando tinha 9 anos, mas até hoje não aceitaria dormir no mesmo lugar que aquelas filhotes de Tiffany. Jurei que um dia iria tacar fogo nelas, e teria feito se minha mãe não tivesse pego eu e meu irmão no ato.

Mestre dos Sonhos e o Livro de MarfimOnde histórias criam vida. Descubra agora