PRÓLOGO

406 101 117
                                    


PRÓLOGO

|Ezhno

Deixando Lemnos com o bater de minhas asas, desço planando para o trajeto até Phantasos. Com o olhar vazio, em alguns momentos embaçado. A beleza de Phantasos já não é a mesma, na verdade, em todo lugar, tudo parece estar morto para mim, assim como o meu filho.

Em uma das varandas no alto de um palácio faraônico, alguém esperava. Pelo rico vestido, de um verde harmonioso a sua pele escura, e o volumoso cabelo de majestosos cachos, certamente era Leona, a governante de Phantasos. Tive certeza ao me aproximar, as mulheres da família Enery compartilham o bom gosto, mas a elegante postura de Leona sempre a destacou das demais. Ela atendeu ao meu chamado.

Pousando no palácio, minhas asas se convertem em uma capa dupla. Não me interrompo com o pouso, seguindo pressuroso até Leona, que também vinha até mim. Procuro não me apressar tanto para não transparecer meu estado. Já que estou aqui para pedir ajuda, parecer desesperado seria ainda mais desfavorável. Quando se pede ajuda a alguém, se você parece aflito, isso passa superioridade a quem você pediu, e isso pode te fazer perder o capricho, pois acham que assim podem fazer de qualquer jeito, afinal, você está desesperado, sem alternativa, sem o conforto da escolha. Não gosto de pensar assim sobre Leona, mas mesmo no mínimo, isso vale para todos.

— Agradeço por ter considerado, Leona. Sei que não está sendo fácil se afastar das suas obrigações — digo, quando finalmente nos encontramos.

— Nada poderia ser mais importante do que um chamado seu, Ezhno. Logo em um momento como esse, imagino que seja urgente — sussurrou Leona, sendo incapaz de esconder sua apreensão.

Afirmo sua suposição em um gesto sutil com a cabeça. Suspiro ao encostar no parapeito de pedra, procurando palavras para começar. A dor que sinto é tão angustiante quanto uma espada no peito, mas não há quem possa tirá-la, e nem eu mesmo posso pegá-la com as mãos e arrancá-la de mim. Uma dor que adoece a alma, que não vai embora, que não me deixa onde quer que eu vá. Meu único remédio é o sono, mas não posso mais fugir deitado em uma cama. Encaro Leona por alguns segundos, sua maquiagem não está delicada como de costume, os pesados contornos negros em seus olhos devem estar escondendo seu cansaço. Sinto ser fútil fazer tais observações, mas estar atento aos segredos escondidos nos detalhes faz parte do que sou. Desvio o olhar, e o direciono a estola no meu traje, alisando o desenho gravado em ouro na superfície de seda. Estou perdendo o foco com qualquer distração. Leona parece ter entendido mal meu silêncio.

— Perdão por não ter enviado as condolências pessoalmente mais cedo. Todos em Phantasos esperam que eu não fique sentada observando tudo o que está acontecendo. Não poderia ser um momento pior para assumir o governo. De repente todo o continente caiu sobre minhas costas — desabafou Leona, que interrompeu a fala de repente. Talvez tenha ocorrido que não seria apropriado começar a desabafar seus problemas para um pai que acabara de perder seu filho. Mas estava disposto a escutar, todos os governantes de Somnos estão passando por tribulações. Seria honesto ceder um pouco da minha audição antes de pedir algo que irá lhe cobrar tanto.

— Desculpe. Depois que Selena...

Levanto uma das mãos demonstrando compreensão, a poupando da explicação. — Eu sei... não se preocupe, não vim para me queixar de nada.

Leona repousa em um banco de pedra, ainda meio sem jeito.

— Sinto muito pelo seu filho, Ezhno. Foi até mesmo difícil de acreditar. Com toda a sua segurança, o seu filho... tão talentoso... já o imaginava como você um dia, como um mestre dos sonhos. Eylam era o nosso futuro. Se Lemnos não é seguro o bastante, que lugar mais no mundo poderá ser?

Mestre dos Sonhos e o Livro de MarfimOnde histórias criam vida. Descubra agora