"Há muito tempo atrás, nosso mundo foi escolhido para ser fundado. Nossos criadores, os Luminus e os Dracônicos, tiveram a grande honra de nos conceder a vida através do que chamamos de "A Essência de Tudo" ou, para leigos, a Luz. Tudo era perfeito e cada ser tinha seu propósito, principalmente tais divindades: os primeiros tinham a capacidade total de criar e controlar tal essência mas, por sua vez, não sabiam domá-las; assim, as criaturas lucífugas, que sabiam lidar com qualquer problema, eram docentes de suas criações. Bem...Apesar de parecer ser uma pacífica harmonia, nada duraria para sempre.
Uma guerra havia se estabelecido e ninguém sabe seu motivo. A aversão havia gerado uma enorme tensão que, consequentemente, levou a morte do amado Rei Luminus. Cruelmente, fora empalado pela espada de seu próprio irmão, que o observava friamente, sentindo o remorso fluir de seu corpo. A "Guerra Aurora" apenas se encerrou quando a última gota de sangue dos seres iluminados se esparramou pelo chão.
Estranhamente, tudo estava calmo como antes. A atmosfera sombria havia dado trégua, realçando a mágoa do imenso rio vermelho que banhava os campos do castelo, na qual podia-se ouvir a brisa ressoar em sincronia com o maldito relógio que badalava naquele cômodo.
Seus passos eram inseguros porém confiantes. Sabia que sua decisão fora a melhor para sua espécie e não poderia voltar atrás. O parapeito da sacada era seu ponto de conforto, as nuvens passando perto de seu rosto machucado lhe dava arrepios, igualmente a vista que possuía dali, há muitos e muitos metros de altura do chão.
Tic. Tac. Tic. Tac.
O tempo estava contado. As badaladas indicavam ser meio-dia, mas não era o que parecia ser: o céu estava ficando escuro e um pôr do sol chegara repentinamente. De forma alguma, aquilo não era normal, era o pior dos problemas que poderiam vir.
Desde então, o nosso aclamado dia nunca voltou. Vivemos na escuridão, não lembrando mais o prazeroso sentimento de conforto e calor que nos oferecia, fazendo com que nos acostumássemos com esse doloroso fato."
"Gostaram da história?" Um senhor apagava uma vela, deixando o delicioso aroma de pavio recém apagado.
"Senhor Orlin! Que história legal!" Uma criança apertava seu bichinho de pelúcia com uma força absurda. "Mas...se passou tanto tempo! Por que não devolveram o dia?"
"Ah, querida... Ninguém sabe além de que é um bem para nós! Ouvi relatos de que nós viraríamos purpurina se entrássemos em contato com a luz do dia." O garçom pegou a curiosa e a colocou no colo, olhando para as outras crianças que o assistiam com um olhar de surpresa.
"Imagina virar purpurina?! Que legal!" O garoto de cabelos pretos tremia de alegria, diferentemente de seu amigo que usava óculos maiores que sua cara... ele tremia de medo.
"Senhor... Vou fingir que acredito, eu sei que não viraríamos pó. Eles que são muito emocionais de mais pra ouvir isso." Sussurrou a garotinha, com seus 6 anos de idade. O velhote caiu em gargalhadas pela sensatez da novata.
"Bem, já está na hora de ir para casa, pestinhas." Se levantou, percebendo os olhares grandes e tristes da criançada. "Esqueceram que se não se comportarem não vão ser o Escolhido algum dia?" Cruzou os braços, esperando pelo seu infalível plano.
"Nãooooooooooooooo! Eu vou ser sim!"
"Eu vou morar naquele castelo algum dia, você vai ver, tio!"
"Nunca iremos desobedecer! Tchauuuuu! "E assim foram embora, quase deixando sua colega que mal enxergava para onde estava indo por conta de sua enorme franja.
"Haha, isso nunca falha!" Coçou sua barba rala. "Ynn, você não vai para casa?" Direcionou-se para o garoto de cabelos ruivos que limpava uma mesa.
"Ainda tenho muito trabalho para terminar..." Sua cabeça estava baixa.
"Incomodado de novo com a história?"
"Não é isso, é só que... Para mim, você tem que trabalhar duro para ser reconhecido e não escolhido. Só isso." Fora para trás do balcão, começando a limpar a vasta coleção de copos sujos.
"Só você mesmo, ruivinho..." Sorriu de canto, apoiando seu cotovelo na madeira rústica. "Eu só queria ver sua cara se você fosse chamado, mas aí eu ia perder minha oportunidade!"
"NÃO PRAGUEJA!" Mostrou a língua. "Vai pra casa, eu fecho hoje."
"Você que manda. Só não esquece amanhã teremos um festival pra enfrentar, então, descansa." O sino da porta soou com sua saída.
"Pff... Escolhido? Que baboseira." Seu foco estava preso na insistência de seu chefe, não percebendo que havia pegado um copo com um líquido imundo, tomando-o. No mesmo instante, cuspiu aquele gosto horrendo que parecia ter saído de um esgoto. "Só me faltava essa!"
***
Apesar de que por um longo tempo nossos antepassados viveram em trevas total, conseguimos nos acostumar graças ao uso de velas por todo o canto. Nossas praças parecem um espetáculo como as estrelas que brilham intensamente, iluminando até mesmo a mais profunda escuridão de um coração abalado. Porém havia um dia que nosso pequeno reino ficava mais chamativo: o Festival Boreal. Todos esperam ansiosamente essa única oportunidade do ano em que o rei pode vir nos visitar.
Nesse "agradável" festejo, o rei irá escolher um de nós para se juntar a suas forças, mandando o destinado para uma espécie de colégio para um treinamento de exploradores. Eles são a nossa única esperança para podermos buscar nossa luz diurna e por isso, são extremamente prestigiados ao lado dos Dracônicos...
Eu simplesmente odeio essa ideia.
***
No outro "dia", as preparações começaram cedo, mas não necessitavam esperar para comemorar. Correria para lá e para cá, risos iam e voltavam e seu olhar vidrado nas louças sujas era mais animado que todos juntos. Ynn nunca havia sido tão tentado pelas pilhas que o cercavam para serem lavadas.
"Ufff...Finalmente! Tudo limpo!" O mais velho limpava seu suor, ofegante após seu grandioso trabalho de arrumar o restaurante por inteiro. Sua atenção foi voltada para a baixa cantoria do ruivo, que emanava uma aura tão pacífica. "Eu não acredito nisso. Ele só pode estar de brincadeira, né?"
Lentamente, surgia atrás do atarefado, colocando suas mãos pesadas no ombro de seu empregado. Aquele simples toque causara o terror para o mais novo, sabendo que não sairia sem uma bela de uma bronca. "Err...tudo bem Orlin?"
"Não..." Sua voz era intensa. "Você acha que está bem? Você nem saiu por um minuto pra descansar! Faz horas que você tá fazendo a mesma coisa!" A indignação era clara, mas era por um bem maior.
"Eu estou bem, eu juro!"
"Não, não tá. Vai, vamos! Você vai aproveitar o festival já que não é todo dia que acontece."
"Mas você sabe que eu não..."
"SEM MAS, YNN!" Sua idade não era nada comparada com sua força. No mesmo instante, agarrara os pés do menor e tentava arrastá-lo para fora.
"ME SOLTA, ORLIN! ME SOLTA!" Se segurava na beirada da pia, numa tentativa de não ser "expulso" de seu amado trabalho. Foi em vão. Em segundos estava sendo arrastado de forma vergonhosa para fora dali.
Por sua sorte, ninguém estava preocupado em acontecimentos alheios a não ser pela diversão. Se levantou, tirando a poeira de seu sobretudo que possuía a mesma cor que seus cabelos. "Não podia simplesmente ter me empurrado? Credo..."
"Tanto faz. Agora vai, vai, vai! Eu cuido daqui. Aproveita enquanto é novo, garoto."
"Que injusto..." Olhou ao seu redor, percebendo como era uma pura perda de tempo. Não adiantaria nada ficar parado na porta e sabia por experiência própria. Sua única solução era andar sem rumo até que essa algazarra terminasse. "Ur...se divirta, você é jovem! Ur...Me dê santa paciência."
As ruas estavam lotadas como um formigueiro, com barracas por todo canto vendendo velas e bebidas. Bebidas. Era isso que precisava. Na primeira oportunidade que viu uma garrafa de vinho, se agarrou a ela. "Eu vou divertir...mas da minha forma!"
E tomou um gole profundo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Owner Of Light (Português)
FantasíaEm um mundo onde o dia nunca mais voltou, Ynn Yack, um jovem adulto workaholic, vive sua vida pacificamente, lavando pratos em um restaurante de um velho amigo. Mas tudo poderia mudar quando um simples dedo apontou em sua direção e disse apenas três...