Parte 5 - O julgamento

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PAI ON


Já se passaram duas semanas desde aquele fatídico dia, o início de um pesadelo. Eu estou em um tribunal, por causa de dois policiais corruptos. Eu só quero que tudo isso acabe logo.


Estou com a garganta seca, eu pego o copo de água da mesa e bebo tudo de uma vez. Minha mente dá voltas e voltas, olho para o meu advogado, procurando por um pouco de esperança. A promotora está aborrecida, e pergunta para mim.

"O que você faz para ganhar a vida?"

"Eu sou um professor."

"Então pode-se dizer certamente que você gosta de crianças?" Ela se vira para o júri, com um sorriso de vitória no rosto.

"Eu não gosto de crianças, eu gosto de ensinar coisas para as crianças." Eu digo a ela. "O que isso tem a ver com tudo isso?"

"Então você admite que gosta de crianças." Ela diz isso com um tom jocoso, como se estivesse lutando uma guerra já sabendo que vai vencer. Apesar disso, o júri permanece com um semblante sério, o juiz observando tudo lá de cima, com o seu cenho franzido.            

O meu advogado me chama a atenção, dizendo que devo apenas responder sim ou não. Você não deve entregar armas para ela usar contra você. Meu estômago começa a revirar. Ela olha pra mim novamente e me pergunta:


"Você já tocou o seu filho?"

'Sim.'

Eu abraço ele o tempo todo!

"Você já viu o seu filho nu?"

'Sim.'

Eu trocava as fraldas dele!

"Você brinca com o seu filho?"

'Sim, eu brinco.'

De damas, futebol, Playstation...

"Você o beija?"

'Sim.'

Eu sou o pai dele!!

"Você vai até o quarto do seu filho de noite?"

'Sim.'

Pra contar histórias para ele dormir! Pra ver se ele está dormindo!

"Você já machucou o seu filho?"

Eu paro por um instante.


...

...

...


'Sim.'

Eu bati nele uma vez. Ele era pequeno, soltou da minha mão, foi para o meio da rua e quase foi atropelado. Eu fiz isso para ensinar a ele o que é certo. Naquele dia, eu nunca tinha sentido tanto medo, em toda a minha vida.

Até o dia de hoje.


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PROMOTORA ON


"Senhoras e senhores do júri, a decisão é simples." Eu sempre começo os meus argumentos finais da mesma forma. Eu quero convencê-los de que eu estou certa, para que esse homem asqueroso passe o resto de seus dias atrás das grades.

"Nós já ouvimos o depoimento de um policial condecorado: um menino jovem encontrado seminu, com hematomas, assustado e aterrorizado por seu pai, um homem adulto perverso. Os dois foram encontrados na mesma cama."

As pessoas do júri olham de um lado para o outro.

"Nós já ouvimos o depoimento de uma terapeuta credenciada e íntegra: um garotinho traumatizado pelo seu pai. Beijado, tocado, acariciado. Usado como uma ferramenta para satisfazer todos os desejos conturbados de um homem doente.

O júri começa a discutir.

"Nós já ouvimos a mãe da vítima: uma mulher que está sempre viajando a trabalho e que não faz ideia do que acontece em casa quando ela não está. Ela é testemunha da afeição 'incomum' que o pai sente pela criança. O envolvimento 'obsessivo' de seu marido em seu trabalho -- trabalho onde ele entra em contato com centenas de potenciais vítimas todos os dias."

Os jurados cruzam os braços e olham para o réu.

"O Abusador já nos deu sua confissão: um homem que admite tocar o seu filho, acariciá-lo, machucá-lo. Seu próprio filho, senhoras e senhores."

O juiz observa tudo, com um olhar atento.

"E nós também já ouvimos a própria vítima, o menininho inocente, que foi extremamente prejudicado por tudo isso, fisicamente e emocionalmente.

Eu faço uma pausa, e olho para o júri, com a intenção de mostrar a eles que eu simpatizo com o sofrimento do menino, e eu consigo ver nos seus rostos a expressão de dor, de sofrimento, que eles provavelmente sentiram após escutarem sobre estes atos bárbaros.

"Em suas próprias palavras, a vítima afirma que o seu pai o tocou tantas vezes que ele já não se dá conta. Brincadeira de 'luta' e 'guerra de cócegas' onde o Abusador apalpou o corpo da vítima livremente."

"Beijos. Toques. Dormir na mesma cama."

A lei me garante uma alta credibilidade em qualquer crime envolvendo uma criança. Se eu conseguir elaborar um argumento crível, e se eu tiver sustentação no ônus da prova, eu tenho com quase certeza uma vitória garantida. Agora, terminarei os argumentos. Eu aponto para o Abusador, enquanto olho para o júri.

"Aquele homem, não mostrou remorso pelos seus crimes. Na verdade, ele se recusa a admitir que tudo o que ele tem feito é errado! Ele é um homem perigoso, senhoras e senhores. Vocês querem um homem desses em seu bairro? Vocês o querem dando aulas na escola de seus filhos?"


Eu vejo raiva e terror nos olhares do júri, quando eles olham para o réu. Eles já haviam tomado a decisão. Esse caso foi muito fácil.


Eu tento com dificuldade conter o sorriso em meu rosto.


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