Parte 1 - O mal-entendido

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Meus olhos estão abertos, eu permaneço deitado. A escuridão do quarto me suga, meu coração acelera. Meu filho está dormindo ao meu lado, calmamente. Por que eu estou acordado, e o que me assombra? Havia alguém me esperando do lado de fora? Seria esse o início de um pesadelo?


De fato, escutei um barulho vindo da porta. Alguém está batendo na porta da minha casa; quatro, cinco vezes. Eu ouço vozes do lado de fora. Eu me levanto, com cautela, para não acordar meu filho. Minhas mãos alcançam o meu roupão. Eu calço meu chinelo, visto o meu roupão e saio do quarto.


Eu caminho na direção da escadaria, e congelo. Eu estou tremendo, e meu coração gela em meu peito. Eu respiro fundo, minha mão procura o corrimão, e eu desço as escadas, em meio as trevas, passo após passo...


Agora escuto vozes, que agora gritam:

"Polícia!"

"Abra a porta!"

"Nós temos um mandado de busca!"


Luzes iluminam o vidro fosco que preenche o espaço vazio da porta. Vermelho, azul. Vermelho, azul. Fogo. Água.


Eu desço completamente as escadas, as vozes persistem, gritam. As luzes iluminam, impetuosamente, ofuscando o brilho da aurora. Eu escuto uma voz me chamando, lá de cima.


"Papai? Aconteceu alguma coisa?" Seus pés pálidos e descalços brilham. Vermelho, azul. Vermelho, azul. "Tem alguém lá fora?"

"Não é nada, meu filho", eu digo. "É só a polícia. Não precisamos ter medo."

Minha mão alcança a maçaneta da porta.

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POLICIAL ON


As luzes de minha viatura alternam entre vermelho e azul, banhando a rua adormecida. Hoje nós estamos invadindo uma boca de fumo, no coração do subúrbio. Eu procuro pelo mandado de busca para ver se o endereço é o mesmo que está pintado na parede da casa. Aquilo é um 375 ou um 377? É difícil enxergar no escuro.


Outras viaturas estão chegando, outros policiais estacionam os carros no pátio. Não temos tempo a perder.

Eu lhes mostro o caminho.


Na porta, eu começo a bater, com meu punho cerrado. O lugar não parece esconder um ponto de drogas, mas hoje em dia, não se pode deixar levar pelas aparências. É surpreendente, já vi muitas atrocidades em plena luz do dia. E, afinal de contas, vamos descobrir tudo, logo.

"Polícia!" Eu grito. "Abra a porta! Nós temos um mandado de busca!"


Sem resposta. Eu bato novamente, grito mais alto. Se demorar mais alguns minutos, vou chamar a equipe de arrombamento. Os outros policiais vão para os lados e para a parte de trás do casebre suburbano. Minha adrenalina aumenta. Então, a porta abre. Um homem baixo, de meia-idade, surge na minha frente, vestido com um roupão. Ele usa chinelos femininos em seus pés. Por que os pervertidos sempre sobram pra mim?


"Posso ajudá-lo?" ele pergunta. Ele está com um semblante confuso. Pervertidos e usuários de drogas são excelentes atores.

"Mandado de busca", eu respondo e mostro o papel com os dados de sua residência. Ele olha rapidamente e o devolve, sem lê-lo.

"Eu não entendo", ele diz. "Deve ser um mal-entendido"

"Papai? Quem tá aí fora??" Uma voz infantil se aproxima.


Um menininho está em pé, no topo da escadaria, quase nu, usando apenas uma cueca boxer. Seus joelhos estão avermelhados e existem pequenos hematomas em sua coxa. Seus pequenos braços envolvem o seu peito e ele está tremendo de frio. Seus olhos, arregalados e assustados, quando ele olha para o seu papai.


"Volte para a cama", o homem diz para ele. "Eu volto lá em um instante."

Eu olho para o homem, em seguida para o menino. Tem alguma coisa errada aqui. "Volto lá em um instante"? O que isso quer dizer? Onde está a esposa dele? Por que o garoto está com medo desse homem? E por que os dois estão seminus?

Eu não gosto disso. Não gosto nem um pouco disso. Se eu estiver certo, é muito pior do que uma boca de fumo.


"Senhor," Eu digo a ele, "Aproxime-se, venha comigo. Tenho perguntas que você precisa responder."


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