O início de uma mudança

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   Muitos almejam estar no meu lugar, vários invejam tal riqueza, mas nem um deles sabe o que é fazer parte de uma das maiores mentiras já contadas, nem tudo é o que parece.

    Somos uma família com três herdeiras. Alice, a mais nova ainda não sabe como as coisas funcionam direito, com seus 13 anos ela apenas aproveita todos os luxos e festas chiques que nossa atual posição social proporciona. Emily a mais velha, não se importa em ter suas ações controladas pela nossa mãe, ela gosta da atenção e de vários rapazes beijando seus pés. 

    E por fim eu, sou a irmã do meio, desde muito pequena fazendo parte de uma vida que eu não pedi pra ter, milhares de roupas, festas e sempre se comportar bem na frente dos outros não parece tão ruim assim, mas com tudo isso vem de brinde a cobrança de sempre ser perfeita, se encaixar exatamente nos padrões da sociedade, sejam eles quais forem e a quaisquer custos e pra finalizar, o ódio gratuito de muitos que apenas veem a imagem criada para se mostrar superior. 

    No começo tudo era legal, vários amigos, brinquedos, os melhores aniversários, mas depois de um tempo eu sentia que faltava algo, não material, mas alguma coisa parecia estar faltando e quando eu cheguei a uma certa idade percebi o que era. O privilégio de ter uma escolha. Eu nunca tinha feito nada a não ser seguir instruções de como eu deveria viver e eu não queria mais isso, eu queria sentir o sabor da liberdade, o prazer de tomar decisões e descobrir se foram boas ou não pra mim, ter atitudes de uma garota comum na casa dos 20 anos, e não ser obrigada a ter um casamento arranjado que trouxesse benefícios à minha família em pleno século vinte e um

    Em uma das festas organizadas pelos sócios do meu pai, eu ouvi com atenção o discurso totalmente planejado que ele fez, mesmo parecendo surpreso ao ser convidado ao palco ele já sabia que estaria lá. Ele dizia sobre futuro, decisões, conquistar uma profissão por si só, e foi aí que eu percebi, era isso que eu queria e faria acontecer.
Eu sempre fui uma amante da arte, pintar era o meu hobbie favorito. A mistura de tintas, paisagens lindas, cores vivas, emoções eternizadas em uma tela, tudo isso me encantava, porém não tive permissão para seguir esse caminho, meus pais me obrigaram a entrar na faculdade para cursar administração e trabalhar na empresa da família como minha irmã já fazia. Eles não precisavam de mim lá, já tinham uma sucessora e ela era boa no que fazia.

    Era uma quinta-feira como qualquer outra, o período de aulas já tinha se encerrado, porém eu havia acrescentado à minha grade curricular aulas de artes alegando aos meus pais que eu precisava de alguma atividade extracurricular. Quando a aula acabou eu estava quase terminando um quadro então o professor deixou que eu ficasse ali para finalizá-lo. Não sei quanto tempo se passou e não me importei para falar verdade. 
Eu estava de pé em frente a tela terminada, eu amava fazer isso, amaria participar de alguma exposição de quadros ou algo do tipo, era esse o rumo que eu queria para meu futuro. Sai dos meus pensamentos quando duas mãos seguraram minha cintura e um queixo se apoiou em meu ombro, eu sorri, só uma pessoa passaria a parte da tarde na biblioteca da faculdade lendo livros e escrevendo alguns rascunhos, a maioria não via a hora de as aulas terminarem.

   - E aí, como ficou? - perguntei, porém não houve resposta então virei meu rosto para o lado para conferir o que tinha acontecido e só encontrei o garoto observando meu rosto exibindo uma fileira de dentes alinhados e branquinhos - O que foi?

    - Você ta fazendo de novo - Seu sorriso aumentou com minha cara de confusão - Ta mordendo o lábio de novo - beijou minha bochecha e eu sorri ao entender.

Nicholas sempre dizia que quando eu estava concentrada ou nervosa, eu mordia o lábio inferior ou fazia caretas. Eu mesma nunca reparei que isso acontecia com frequência então eu neguei e disse que só fazia as vezes, ele riu e disse que sempre que eu o fizesse diria e, caramba!! Eu realmente tinha esse hábito!

     - Ta bom, parei. Agora me diz o que achou. - Diferente dos outros eu ousei um pouco mais do que eu estava acostumada.

     - Está incrível. Você será uma grande artista. - Dei apenas um sorriso fraco, eu duvidava que isso aconteceria. - Ei, eu tô falando sério, você vai ver, no fim vai dar tudo certo pra nós. - Me abraçou e deixou um beijo em meio aos meus cabelos. 
Eu temia que isso não fosse verdade, eram raros os momentos que estávamos juntos, precisávamos de discrição.

     Quando eu soube do casamento eu quase surtei, não tinha por que eu me casar, deveria ser minha irmã mais velha a noivar primeiro, mas a desculpa que recebi foi que ele era um bom rapaz, era pouco mais velho que eu e que traria muitos benefícios, é claro.
Naquela noite dei um jeito de escapar de casa eu peguei um táxi até a casa de tia Katerine, quando cheguei lá nós conversamos e ela me entendia e também era contra, mas não tinha muita coisa que ela pudesse fazer afinal. Ela me aconselhou a ligar para Nicholas pra conversarmos e assim que ele apareceu na porta eu o abracei forte e ele retribuiu sabendo que aquilo seria um problema para nossos planos. 

   Depois de um tempo ele entrou e ficamos na sala com minha tia assistindo a um filme qualquer tentando fingir que toda aquela bagunça não existia, em algum momento o rapaz repousou sua cabeça em minhas pernas e eu comecei a passar os dedos entre seus fios escuros, era relaxante mexer em seu cabelo e sempre que eu dizia isso a ele, o mesmo ria achando essa mania que eu tinha engraçada, e realmente era.
Eu estava tão exausta que acabei apagando ali mesmo, acordei um tempo depois e continuávamos do mesmo jeito, porém a tevê estava desligada e apenas a luz da cozinha acesa. Esfreguei os olhos e sorri olhando para ele apagado no meu colo, passei os dedos pela pele macia de seu rosto em um carinho, assim o acordei para que fossemos dormir no quarto de hóspedes que minha tia preparou.
Era simples, uma cama de solteiro ficava debaixo da janela e ao lado tinha um colchão com lençol, coberta e travesseiro, Nicholas rapidamente se jogou ali e apagou novamente, eu fiz o mesmo, fechando a cortina e me deitando na pequena cama não demorando para dormir também.

   Dali em diante começamos a ser mais discretos mesmo durante as aulas, isso não poderia chegar aos meus pais, eles já haviam me comprometido, e até eu arrumar um jeito de acabar com essa ideia ridícula de casamento deveríamos seguir às escondidas. Não abriria mão do futuro que planejei tão fácil assim.

Furta-corOnde histórias criam vida. Descubra agora