|| PERDA ||

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perda

/ê/

Aprenda a pronunciar

substantivo feminino

1.

ato ou efeito de perder.

2.

fato de deixar de possuir ou de ter algo.

"p. da casa, do emprego"

 da casa, do emprego"

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10 de maio.

O suor escorria pelo meu rosto, minha respiração estava acelerada e a visão completamente turva. Eu ainda tentava raciocinar sobre o local onde me encontrava, e apesar dos meus esforços para enxergar qualquer coisa que não fosse um mero borrão, eu não conseguia.

Minha cabeça doía, me encontrava completamente tonta, e assim permaneci durante alguns minutos, tudo o que eu conseguia ouvir eram alguns zumbidos e sons que se assemelhavam a gritos. Estava tudo tão confuso, sem sentido, naquele momento eu ainda não havia assimilado tudo o que havia acontecido.

Meu corpo estava doendo, e apesar de tentar move-lo duas ou três vezes, não obtive resultados para além de uma dor enorme que tomava conta do meu corpo. Todavia, apesar de confusa, me esforcei mais uma vez na tentativa de recuperar minha visão, e consegui.

Eu estava sozinha dentro do veículo, meus braços estavam colados junto ao meu corpo, o direito, que estava ao lado do que antes era uma janela, fora cortado pelo vidro, ficando completamente coberto de sangue. Sobre minhas pernas, parte das ferramentas que levávamos dentro do carro caíram encima delas. Eu não conseguia me mover. Meu rosto estava coberto de suor e do que mais tarde pude identificar também ser sangue, e ao lado de fora, de cabeça para baixo, pude avistar paramédicos a olharem para o local onde eu estava visivelmente preocupados.

Então eu me lembrei. Eu estava com você e com nossa filha, íamos finalmente a casa de seus pais e contar que estávamos grávidos da nossa menininha, nossa primeira filha. Com a memória em minha mente, quase que instantaneamente, forcei meus braços e os levei em direção a minha barriga, em uma tentativa de proteger o pequeno ser que crescia dentro de mim. E devido ao movimento brusco, um grito de dor escapou entre meus lábios, fazendo com que os médicos ao lado de foram olhassem para o carro e gritassem por ajuda.

— A mulher está viva. Vamos, se apressem para tira-lá de lá! — Um homem alto, de cabelos grisalhos e olhar cansado grita para os outros. Ele parecia estar ali há horas, aparentava estar exausto, mas ele não desistiu de tentar me tirar dali. E por muito tempo, eu o culpei, o culpei por ter me salvado, por ter me obrigado a conviver com a dor que se apossou de mim tempos depois. Eu tive raiva por estar viva.

Eu não me lembro como me retiraram do carro, apenas me recordo de não ter retirado as mãos da minha barriga, por mais que tentassem, eu não queria parar de tentar proteger a pequena Pati. É isso que as mães fazem pelos filhos, tentam os proteger, não importa se ainda estão dentro de ti, eles em primeiro lugar.

Então depois de um tempo eu acordei em uma sala de hospital, eu ainda não conseguia me mover, todavia, eu não estava completamente deitada, a maca estava levemente levantada, o que me permitiu ter uma visão melhor do quarto onde eu me encontrava. Era branco, praticamente vazio e completamente sem graça, tudo ali tinha um ar triste, e não era um ambiente no qual eu gostaria de estar. Na minha frente, a poltrona bege estava ocupada por uma senhora de cabelos vermelhos, aparência cansada e um agasalho em suas costas, era minha mãe. Seus olhos se abriram com calma e ao me ver a observando, um suspiro de alívio fora soltado por ela.

Eu não entendia por que estava em um hospital, não me lembrava o que tinha acontecido, mas a verdade  chegou até mim, sorrateira, direta e avassaladora. Depois de uma semana internada, ler se tornou um dos meus passatempos preferidos, os livros se tornaram meus melhores amigos. E seja por obra do destino, ou por um descuido infeliz de uma das enfermeiras que entregava o jornal para minha mãe, naquela manhã, eu não tinha nada para ler, e o pedaço de papel repleto de notícias do que estava acontecendo lá fora pareceu-me mais atraente do que passar parte do dia encarando as teias de aranha no teto.

Naquele dia mamãe havia saído para buscar algumas roupas em casa, todavia, uma das enfermeiras que carinhosamente levava as notícias do dia para ela, o colocou próximo ao meu leito. Com um pouco de esforço e dor, consegui esticar meu braço e alcançar o pedaço de papel.

Eu queria não ter lido aquilo, nem naquele momento, nem hoje e nem nunca.

"Casal sofre acidente de carro na Avenida Leste. Homem é encontrado morto e mulher se encontra internada em estado grave.

Na tarde de sexta feira, dia 13 de agosto, um homem é encontrado morto na Avenida Leste após um acidente de trânsito. Segundo testemunhas, ao tentar desviar de um carro que vinha em alta velocidade, o veículo acabou capotando. Dentro do carro, além do homem identificado como Richard Dawkins, que faleceu no local, estava também Pietra Dutra, que se encontra internada em estado grave."

E  quando eu li seu nome e o meu naquela notícia, meu mundo caiu. Você morreu, e eu nem pude te dizer adeus. Também não soube exatamente quando foi que comecei a gritar, a chamar por você, mas uma equipe de médicos adentrou o meu quarto e tentou me acalmar. Todavia, não obtiveram sucesso, então acharam que a melhor alternativa seria me por para dormir.

Eu havia perdido meu marido, a única pessoa a qual depois de anos permiti que entrasse em minha vida e ultrapasse barreiras que jamais pensei em deixar ultrapassarem novamente.

Quando eu acordei, as lágrimas voltaram a tomar conta do meu rosto, então eu pensei em nossa filha, eu iria cria-la e lhe contar sobre o homem maravilhoso pelo qual me apaixonei. Mas quando aquela enfermeira, a mesma do jornal, entrou em meu quarto e eu perguntei sobre nossa filha, ela se silenciou, então eu soube sobre a triste realidade que eu me encontrava, ela não me respondeu, mas seu silêncio foi o suficiente para eu saber que eu havia perdido Pati também.

Então eu me vi presa em um buraco sem fundo, consumida por uma escuridão que não tinha fim. Em apenas um único dia, eu disse adeus às duas luzes da minha vida.
Eu não pensava em te perder, em te fazer um funeral, sobretudo, jamais pensei que ao mesmo tempo que te enterraria, iria enterrar a memória de nossa filha junto, criança a qual não teve a oportunidade de conhecer as cores do mundo e o futuro que a aguardava.

O cemitério mais uma vez fora agraciado com sonhos e futuros que jamais iriam se concretizar.

E durante muitos anos, eu me perguntei, "por que não eu?". Nenhuma mãe pensa que dirá adeus ao próprio filho, e eu também não pensei que daria adeus ao meu marido no mesmo dia. Eu queria jamais ter passado por essa despedida, e de todas as vezes  que já fui obrigada a dizer adeus em minha vida, esse era um dos quais eu não queria ter dado, e o que mais me atormentou durante muito tempo.

Foi difícil superar.

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