A noite estava fria. O vento cortante batia contra a minha bochecha e espalhava-se por toda a minha pele gelada, desejando talvez despertar a minha consciência de maneira cautelosa e me fazer acreditar que eu ainda estava respirando.
Eu podia sentir. Podia sentir que ainda estava ali.
Os focos de luzes com cores diferentes pareciam borrões insignificantes através da minha visão, inerte aos meus pensamentos vazios. Todo o som havia se esvaído da atmosfera gélida daquela rua, que antes era muito pouco movimentada.
Aos poucos eu senti minha extinta perspectiva descongelar, como se fosse uma peça perdida no tempo. Ela vagarosamente voltou a tornar explícita a realidade crua e barulhenta que passou a ficar cada vez mais evidente ao meu redor.
Eu não notei que os meus ossos tremiam feito pequenos galhos agitados por uma ventania incessante. Eu tinha um cobertor em torno dos meus ombros, o tecido era fino e cinza e eu não podia me lembrar de quem é que havia colocado-o sobre mim. O cobertor não me esquentava, mesmo que eu soubesse que não era de frio que o meu corpo tremia. Eu ainda estava em pânico. Aterrorizada.
Aquela arma era do Claude. O disparo soou como um trovão, brutal e profundo. Mas não foi ele que apertou o gatilho. Aquele garoto de 17 anos era quem segurava o revólver gélido que, com apenas uma única bala, fez a vida de uma pessoa escorrer pelo chão, tornando frio o sangue que uma vez havia sido quente.
Eu ainda tinha esse mesmo sangue nas minhas roupas, nas minhas mãos e até mesmo no meu rosto. Ainda sentia meus joelhos suplicarem para despencarem no asfalto úmido, mas meu corpo estava duro como concreto, rígido, frio. E na verdade, nada disso realmente importava.
Quando borrão se tornou ligeiramente mais nítido, eu me senti como um narrador onisciente da minha própria perspectiva perturbada.
Os calafrios fizeram a minha mente retornar à realidade. As luzes coloridas tinham seus tons azuis e vermelhos por todos os cantos. Os sons abafados passaram a se tornar cada vez mais barulhentos, as sirenes esganiçavam-se e cortavam meus ouvidos juntamente com gritos constantes. Eu me senti presa dentro do meu próprio corpo enquanto observava aquelas pessoas desconhecidas passando por mim às pressas, sempre com aflição em suas expressões.
Não sei quanto tempo havia se passado desde que a emergência tinha chego no bairro, nessa casa que eu conhecia muito bem. Quis me recusar a todo custo a acreditar que não haviam mais esperanças, mas bem no fundo eu sabia que era tarde demais, pois naquele mesmo instante eu já não o ouvia respirar. O pulso estava morto e a sua vida escorria pelo chão, formando um grande circulo vermelho no assoalho e manchando minhas roupas, minha pele.
Foi Richie quem ligou para a polícia logo quando o caos foi implantado ali. Encontrei Cameron apavorado dentro do mesmo quarto onde havia ocorrido o assassinato, ele havia presenciado tudo.
Entretanto, agora eu não sei onde eles estão e tudo que vejo é uma tormenta pairada sobre aquele lugar. Rostos desconhecidos corriam para todos os lugares, mas um em específico capturou totalmente a minha atenção.
Nicholas Reeves saía da própria casa cercado de policiais, estava algemado, como um criminoso genuinamente perigoso. E de fato, ele se tornou um.
Meus olhos observaram cada passo minucioso seu e tudo pareceu ficar em câmera lenta. Tive um vislumbre daquele olhar que uma vez já fora de um azul muito reluzente, mas que agora havia se tornado sombrio. Aquele par de esmeraldas negras me encararam por segundos que mais se pareceram eternos, e eu não consegui decifrar uma emoção sequer no seu rosto soturno.
Nick não foi capaz de me olhar por muito mais tempo. Ele abaixou a cabeça e não resistiu, apenas deixou ser levado pelos oficiais até a viatura mais próxima.
Eu senti uma lágrima quente escorregar pela minha bochecha. O meu peito doía e, de repente, respirar normalmente passou a ser algo difícil de se fazer.
O carro de polícia foi embora com o assassino dentro. Mas os outros veículos e as outras pessoas permaneceram e não parecia que iam sair dali tão cedo. Pelo contrário, chegavam cada vez mais. E junto com essas pessoas, Cody surgiu de repente, se aproximou de mim com passos pesados e eufóricos, sustentando uma expressão de dor que também não sairia dali tão cedo. E que na verdade, nunca desapareceria.
- Mavie? - sussurrou, transtornada.
Encarei o semblante dela, tão abalado quanto o meu. Eu suspirei e então as lágrimas vieram, igual a uma tempestade violenta.
Cody envolveu seus braços frágeis ao redor do meu corpo, com toda a força que tinha. Seus olhos transbordaram sobre o meu ombro e eu solucei contra o seu varias e várias vezes, não sendo mais capaz de parar.
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HIGHLY SOBER
Ficção AdolescenteConsiderada famosa pelo seu passado conturbado e e o seu pequeno vício em drogas ilícitas, Mavis Young claramente não é lá uma das melhores garotas de Valleyview, exatamente como Nick Reeves, que é um rapaz problemático que acabou de voltar ao colég...