As Últimas Horas

Parte 1

Em meio às sombras de se viver a vida de outro homem, encontrei luz nos poucos momentos em que pude usar minha própria voz. Finalmente compreendo qual é o verso com o qual desejo contribuir para a grande peça da vida: liberdade.

Mãe, saiba que eu nunca a culpei. Torço para que um dia você também encontre sua própria voz dentro de si. Nunca é tarde para isso. Pai... espero que você possa compreender que sufocar as pessoas com seu orgulho nunca lhe trará felicidade. Não permita que sua marca no mundo seja a arrogância.

Quero que saibam que eu sinto muito por partir assim, mas é preciso. Não odeio vocês, e entendo que queriam me dar oportunidades melhores. Mas eu nunca fui e nunca poderia ser um mero reflexo de suas vontades. Espero que, com o tempo, vocês consigam entender o valor dessas palavras.

A partir de hoje, serei um espírito livre não importa onde eu esteja – e isso é bom.

– Neil Perry.

6 horas antes

Neil andava de um lado para o outro no quarto, murmurando suas falas para conferir se não havia esquecido nenhuma. Estava sentindo-se completamente incapaz de conter a euforia que crescia cada vez mais dentro de si. De sua cama, Todd observava o amigo com um sorrisinho no rosto. Não poderia negar que tanto a alegria quanto a ansiedade de Neil eram contagiantes.

– Será que ensaiei o suficiente? – Ele questionou de repente.

Todd soltou uma risadinha, levantando-se. Ele não entendia o motivo pelo qual Neil não via o quão brilhantemente preparado ele estava.

– Ei, Neil. – Ele segurou o amigo pelos ombros, obrigando-o a ficar parado. – Sei que está ansioso, mas eu não me preocuparia com isso se fosse você. Você é incrível em tudo o que faz. Vai dar tudo certo.

– Como você tem tanta certeza? – Neil rebateu.

Todd sorriu e balançou a cabeça. Depois gesticulou indicando o dormitório em que estavam.

– Eu tive bastante tempo para observar, sabe? Você tem se dedicado a cada dia desde que conseguiu o papel. E ainda conseguiu obter as melhores notas da Welton ao mesmo tempo. – Neil deu uma risadinha. – Além disso, eu estive ensaiando com você várias vezes, lembra? Você está pronto, não se preocupe. Se você atuar com tanto entusiasmo e autoconfiança quanto nos ensaios, tudo sairá perfeito.

Neil encarou os olhos azuis e brilhantes de Todd que pairavam sobre seu rosto. Foi como se dezenas de borboletas se revirassem em seu estômago, mas ele sorriu.

– Obrigado, Todd. Significa muito para mim ouvir isso. – Neil manteve seu olhar em Todd, que o sustentou até ficar corado e recuar. De alguma forma, essa reação fez as borboletas se agitarem ainda mais.

– Hã... – Todd pigarreou. – Você quer ensaiar uma última vez antes de ir? – Perguntou tentando disfarçar seu breve constrangimento. – Sei que precisa chegar no teatro mais cedo, certo?

Neil ponderou por alguns instantes.

– Na verdade, acho que vou confiar em você – disse por fim. – Teremos mais um ensaio geral antes da peça.

Todd assentiu e observou Neil se aproximar da janela, encarando o horizonte por um momento. Não que eles pudessem ver muita coisa, já que o céu estava carregado com nuvens pesadas. Possivelmente começaria a nevar mais tarde.

– Ei, venha ver isso – chamou. – Amanhã o pátio provavelmente estará coberto de neve. Guarde bem a visão do lago, Todd. Fica lindo quando neva.