O barulho da chuva que fustigava as carcomidas persianas de madeira do velho quarto de motel acordou-o precocemente de um sono, que apesar de povoado de sonhos tão ruins quanto merecidos, lhe poupava do dedo sempre em riste de sua consciência inquisidora.
Os lençóis fétidos e amarfalhados pelo rolar de sua carcaça infame, mera garatuja do viço de outrora, absorviam a excessiva sudorese oriunda de seus temores oníricos.
A atmosfera era de clausura, com o sarro de seu hálito pútrido se misturando ao miasma do bolor das paredes.
O semblante do infeliz, oculto pela penumbra, só se vislumbrava por obra de esparsos relâmpagos, cuja luz invadia mal-vinda e inefável por entre os não poucos vãos do mosaico de madeira que ousava chamar de janela.
Com o torpor do sono aliado ao resquício do álcool em suas veias ainda a lhe toldar o raciocínio, tateou em vão em busca do relógio que deveria estar sobre o criado-mudo, porém o máximo que conseguiu foi derrubar um copo vazio que se despedaçou no chão com um tilintar característico, que na solidão do quarto escuro pareceu um estrondo.
Buscando em suas etílicas memórias a trivial e pretensamente óbvia trajetória noturna que o trouxe àquele lugar, desesperou-se por não recordar os detalhes.
Tentar pensar era necessário, mas a tentação de fechar novamente os olhos e ignorar o desfecho das circunstâncias lhe parecia menos aflitivo.
Rendeu-se então à inércia e deixou-se prostrar novamente ao nauseabundo catre.
Sentiu uma quase vertigem ao desabar de costas e a cabeça recostar diretamente no colchão, onde deveria haver um travesseiro.
Assim, deitado, lhe era mais aprazível o esforço de lembrar.
E infelizmente se lembrou de tudo.
Ou somente o que deveria lembrar...