Ele acabara de adentrar o botequim.
O caminhoneiro que lhe dera carona já estava ao balcão, com um copo de aguardente pela metade e uma garrafa de cerveja aberta, à mercê de sua sede viciosa.
Duas meretrizes ao lado já se achegavam, ávidas por cigarro, álcool e dinheiro.
O caminhoneiro galhofamente apontou-lhe a uma das acompanhantes, enquanto lhe cochichava algo ao ouvido.
Confidência ou coisa que o valha realizada, a prostituta veio em sua direção, o dileto carona, pelo visto o mais novo amigo do viajante e antes que se dissesse algo, a puta o pegou pela mão e foram ao balcão.
Entre perdigotos, precedendo um gutural arroto, disse o motorista ao acompanhante:
“E aí, chefe? De mim só queria a carona, não amizade? Encoste aí no balcão e peça o que quiser, pois você é gente boa e pessoas assim merecem minha consideração!”Passou então a conjeturar se o que despertava a generosidade no galhofeiro era realmente sua simpatia, mas a julgar pelos andrajos que trajava, pôde detectar um bocado de comiseração na benevolência ofertada.
Mal concluiu sua constatação quando uma língua áspera a lamber-lhe o ouvido e um olor de perfume barato trouxeram a percepção da realidade de volta.
Só então observou com mais cuidado a mariposa que ainda lhe segurava o braço.
Morena, cabelos longos e soltos, batom de um vermelho impossível emoldurando erraticamente seus grossos lábios, vestido curto “tomara-que-caia” listrado de rosa e branco, sandálias baratas, seios fartos, pernas não depiladas, aparentando uns vinte e cinco anos, ainda que pelos modos pueris e pelo tom das gargalhadas, tivesse menos que isso.
“Paga uma bebida, moço?” – Intimou a moça, enquanto se acomodava sem permissão embaixo de suas axilas.
Tão logo ele anuiu com a cabeça, ela pediu um hi-fi e enquanto esperava ser atendida, iniciou conversa:
“Você é de onde, posso saber? É amigo do Tonhão? Vai passar a noite aqui? Vai querer um programa?
Envolto em sua névoa pensante, ouvia o que a moça dizia, porém se em vez de uma pessoa falando, ao seu lado houvesse uma mosca voando, sua compreensão a respeito seria a mesma.
Ignorando o que lhe foi dito, respondeu com uma áspera inquirição:“Onde é o banheiro, moça?”
Com um arquear de sua grande boca aliado ao franzir do sobrecenho, ela indicou uma persiana de tiras plásticas ao fundo da espelunca.
Seguiu na direção apontada, trôpego e abúlico, sem a ansiedade esperada a alguém que estivesse necessitando mais de um toalete que propriamente de esquivar-se de uma mera má companhia.
Enquanto se aliviava, imaginava o quanto seria mais fácil a um miserável de sua estirpe simplesmente fechar os olhos e desaparecer do que perambular errante entre semelhantes, que ignorando seu cansaço de viver, como que por sina, pipocavam como moscas a lhe oferecer bebida, carona, sexo ou simplesmente aquilo que se referiam como amizade.
Odiava essa palavra, “amizade”.
Em sua concepção, existia uma lacuna entre o amor e o interesse, que nada poderia ocupar a contento, nem mesmo a tão propalada “amizade”.
Pensava que amava alguns entes queridos por mera consanguinidade ou gratidão, mas que aqueles que ousavam lhe oferecer amizade, invariavelmente eram testados em suas convicções ao se depararem com a necessidade ou a conveniência própria. A traição e o abandono eram o resultado inefável dessa casualidade toda.
Percebeu tardiamente que havia urinado nas paredes, no chão, e se não fez nas próprias pernas, foi porque percebeu o morno líquido a lhe respingar os dedos, dando-lhe tempo de direcionar o nauseabundo fluido na direção correta.
Fechou a braguilha, cheirou os dedos e não conseguiu evitar um esgar de nojo.
Há quanto tempo não tomava banho ou trocava as roupas? Três dias? Talvez um pouco menos, mas quem se importava? Nem ele mesmo se importava.
Olhou para o espelho e viu alguém observá-lo com apatia.
Aquele estranho tinha belas feições, apesar do cabelo ensebado, da barba por fazer e das olheiras proeminentes.
Abriu a torneira e desistiu de lavar as mãos ao jorrar água suja pela pia.
Lá estava ele de volta ao salão.
Sua acompanhante em potencial esticava o pescoço e lhe acenava para que voltasse a ocupar o lugar a seu lado.
“Que diferença faria ir ou não”, arguiu a si.
E por nada fazer diferença, ele foi.