Prólogo

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Wei Ying foi um exímio cultivador durante o reinado de Xuan Zheng. Wuxian era seu nome de cortesia, conhecido por todos no mundo da cultivação, admirado por muitos e temido por aqueles que oprimiam os mais fracos. Sua personalidade era alegre e extrovertida, de modo que as jovens donzelas suspiravam apenas com a menção de seu nome, afinal, um marido nobre e divertido era o sonho de qualquer uma, não?

Dono de uma beleza exuberante e um prodígio nas seis artes chinesas, despertava também muita inveja por parte dos rapazes quando estes, na verdade, não sabiam que a vida de Wuxian nunca fora perfeita.

Francamente, seu talento era proporcional ao seu azar. Perdeu os pais aos 4 anos e passou a maior parte da infância nas ruas, disputando restos de comida com cachorros. Foi resgatado por Baoshan Sanren, conhecida por levar crianças abandonadas para as montanhas a fim de ensiná-las a cultivar. No passado, foi ela quem ensinou à mãe de Wuxian as artes marciais e ele seria eternamente grato pela bondade da mestre. Porém, tão logo estabeleceu base de cultivo, formando o núcleo dourado, Wei desceu a montanha e se tornou um cultivador desgarrado.

Assim, percorreu os quatro cantos do mundo, sozinho, sem nunca criar raízes por onde passava. Não sabia exatamente o que procurava, mas supôs que, o que quer que fosse, não encontraria ali no mundo terreno. Portanto, dedicou-se ao qigong* e ao refinamento, a fim de se aproximar do Dao, a harmonia absoluta com a ordem natural.

Logo, Wei Wuxian alcançou a imortalidade ainda muito jovem e ascendeu aos céus.

E isso enfureceu os deuses.

A ascensão imortal ia contra a vontade dos céus, logo,
os seres celestiais faziam de tudo para dificultar, enviando tribulações para oprimir os cultivadores de alto nível que insistiam em seguir esse caminho. Wei, no entanto, passou por todas as tempestades de raios de maneira impressionante. Em vez de despertar admiração, os deuses ficaram desconfiados. Que tipo de raiz espiritual um zé ninguém como Wei Ying poderia ter? Como não tinham nada que provasse que o rapaz praticava artes desonestas, não tiveram opção além de tolerá-lo.

Posteriormente, a fim de aprimorar seus poderes, Wuxian se voluntariou a servir uma família de Santos*: Os Jiang. Eles eram famosos por suas táticas e estratégias nos campos de batalha. Segundo a lenda, há milhares de anos atrás, antes mesmo de O Grande Imperador de Jade assumir o trono e se tornar o soberano de todas as deidades no céu, os demônios desafiavam os imortais, blasfemando contra os deuses e cobiçando o alto escalão do Reino Celestial.

Durante a guerra cíclica que perdurou por nove meses, foram os Jiang que criaram a estratégia que a deusa Xuan Nu repassou ao Imperador Amarelo que, por fim, subjugou Chi You que naquela época havia criado uma névoa tão densa e impenetrável que obscureceu o dia e a noite*.

O lema deles era "tentar o impossível", o que fascinava Wei Ying uma vez que essa sempre foi sua filosofia.

Em sua estadia junto à uma das famílias mais respeitadas nas nove camadas do Céu, ele nunca foi tratado como servo e acabou criando laços de afeto que nunca havia tido até então. De repente, ele tinha uma irmã carinhosa e um irmão competitivo, que apesar da personalidade explosiva, era um bom amigo. E foi a relação com este último, Jiang Cheng, que levou Wei Ying à ruína.

Ele foi acusado injustamente de espiar o banho de Kuan-Yin, deusa da fertilidade, o que não deveria ser um crime tão grave, mas era a oportunidade perfeita que os deuses esperavam para expulsá-lo do Jardim Imperial, considerando que o Jovem Mestre nunca fora bem vindo ali. Além disso, Wuxian sempre teve fama de galanteador, mesmo no Mundo Mortal, então, quem ousaria questionar tal acusação já que ele sempre foi um depravado?

Em seu julgamento não houve misericórdia. Seu núcleo dourado fora arrancado e a masmorra não parecia prisão ruim o suficiente para trancafiá-lo. Logo, Wuxian, por fim foi exilado dos céus, condenado a viver no mundo terreno sob a forma de uma peônia. Sua maldição só poderia ser quebrada quando (e se) sua alma gêmea o encontrasse.

A possibilidade era de uma em um milhão, considerando que esse era um tipo de conexão extremamente rara, quase um mito, mas ainda assim, oferecia uma pequena chance de redenção à Wei Ying: recomeçar uma vida totalmente nova ao lado de seu amor.

O Grande Imperador do Pico do Leste, pai de Kuan-Yin, não gostou nem um pouco da ideia e como se o castigo imposto não fosse o bastante, rogou sua própria praga: se Wei Wuxian, por qualquer motivo, não pudesse estar junto da pessoa amada, seu destino seria a morte.
Zombeteiro como ninguém mais conseguia ser, Wei Wuxian riu, ou melhor, gargalhou. Ora, pois! Como poderiam duas almas-gêmeas não ficarem juntas? Impossível! Desse modo, com toda a sua petulância, aceitou de bom grado sua sentença. Foi jogado de volta ao mundo mortal e esperou.

Então, os dias se tornaram semanas, que se tornaram meses, anos... milênios. O mundo da cultivação foi extinto, a magia da época virou lenda. Os vastos campos verdes foram substituídos por selvas de pedras. As pessoas se afastaram da espiritualidade para preencher suas vidas vazias com produtos inúteis enquanto fingiam ser felizes na maior revolução tecnológica existente: a internet.

Alheio a tudo isso, Wuxian aguardava ansioso pela bela donzela destinada à salvá-lo. Sem nunca perder a esperança, tinha certeza de que alguém, algum dia, iria resgatá-lo.

O que ele não sabia ainda era que, seu maior desafio, na verdade, ainda estava para começar:
Diferente do que sempre imaginou, a pessoa prometida não era nenhuma jovem dama de seios fartos e sim um cara cético, frio e duro como uma parede de gelo. E bom, talvez Wei Ying não tivesse tempo suficiente para derreter o coração de Lan Wangji.

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* Qigon - termo de origem chinesa que se refere ao trabalho ou exercício de cultivo da energia.
* Santos - similares, mas distintos de Imortais. Também não tem a ver com o santos ocidentais e cristãos que a gente conhece. Eles não têm uma relação forte com o daoísmo, e não necessariamente possuem uma vida eterna. Mas, fora isso, eles tipicamente têm uma conexão próxima com o mundo natural e poderes mágicos similares adquiridos por cultivação.
* De fato existe essa lenda sobre Xuan Nu, bem como todos os deuses e imperadores mencionados, todos fazem parte da mitologia chinesa. Embora eu tenha pesquisado bastante sobre esse universo, não levem nada tão a sério pois são usado apenas como referencia, o resto é obra da minha imaginação mesmo.

Flor de Peônia [Mo Dao Zu Shi/The Untamed]Onde histórias criam vida. Descubra agora