Flor de Peônia

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Lan WangJi segurava uma câmera semi-profissional enquanto abria caminho em meio à mata seca da Colina Sepultura. Fazia frio e a previsão do clima alertava os cidadãos de que a chuva poderia cair a qualquer momento, porém, não eram as nuvens carregadas e escuras que tornavam o lugar medonho. Segundo os relatos, mesmo no dia de sol mais brilhante, a sensação mórbida e assustadora seria a mesma, ainda mais porque a vegetação vasta de árvores tenebrosas não permitia a presença dos raios solares.

O cenário não era dos mais agradáveis, no entanto, tampouco era tão horripilante quanto as pessoas costumavam dizer. Bom, pelo menos, não para WangJi. Havia sim uma certa sensação de melancolia, mas para ele era quase… poético. Segundo as crenças locais, a Colina Sepultura já havia sido um lugar celestial, uma montanha sagrada, antes de ser palco de uma sangrenta batalha. As mortes em massa transformaram o belo lugar de outrora em um cemitério gigante, repleto de energia ressentida. Os antigos moradores da região relatavam que durante a noite, era possível ver o espíritos dos soldados vagando sem rumo e que os gemidos angustiados dos fantasmas eram tão aterradores que fariam tremer até mesmo o mais corajoso dos homens. 

Para o jovem professor de História, essa era uma forma fantasiosa de descrever os fatos. WangJi não acreditava em nenhum desses mitos inventados pelos velhos a fim de aterrorizar as crianças, contudo, segundo a ciência, aquele lugar havia sim sido um campo de batalha. Anos atrás, no final dos anos 60, arqueólogos encontraram centenas de esqueletos por ali. Eram tantos, que suspenderam as escavações por um longo período, uma vez que tomava tempo em analisar cada um e não tinham qualquer dificuldade em encontrá-los. Mesmo nos dias de hoje, diziam que você poderia encontrar restos mortais em qualquer ponto da montanha, sem precisar de muito esforço. Como a maior parte das ossadas permaneciam consideravelmente bem preservadas, mesmo após centenas e centenas de anos, ainda era um mistério, o que apenas reforçava as lendas sobre o estranho lugar. 

Todavia, não era para isso que Lan WangJi estava ali. Pretendia publicar em breve um artigo sobre lugares históricos, a fim de resgatar a identidade cultural de algumas regiões da China. A Colina Sepultura era o último local em sua lista, e todas as lendas fabulosas que ouviu a respeito da montanha certamente seriam de grande valor em sua pesquisa. 

Sem pressa, seguiu a trilha estreita até sua última parada: a Caverna do Abate do Demônio. Mais um nome tendencioso criado pelos anciãos, provavelmente com a intenção de manter os curiosos longe. O local, na verdade, era a ruína do que já fora a morada de Xue Chonghai, um antigo governante da região de Yiling que, segundo os contos, ficou louco e se isolou ali. Era um lugar grandioso, muito mais do que esperava. Sem perder tempo, colocou a câmera em posição, tirando quantas fotos podia. 

Estava no que parecia ter sido uma espécie de salão principal. Havia um círculo no meio, com dúzias de símbolos estranhos e inscrições num dialeto que não sabia identificar. Usou o bloco de notas do celular para fazer algumas anotações. Iria pesquisar a fundo sobre isso mais tarde, talvez alguém já tivesse publicado algo a respeito das escrituras. Andou em meio às ruínas de pedras, atento a cada detalhe. Não queria deixar nada passar, por isso foi minucioso. Algumas horas se foram até que por fim, se convenceu de que não havia muito mais o que explorar. Já passava das 15hrs e não queria correr o risco de ser imprudente e descer a montanha depois do pôr do sol. Além disso, teria que dirigir por mais vários quilômetros até a capital, pois não queria passar nem mais uma noite sequer nos hotéis da região. Detestava dormir fora de casa.

Aproveitou a pausa para beber um pouco de água enquanto conferia as fotos que havia acabado de tirar, satisfeito com o trabalho. Assim que deu o primeiro passo na intenção de ir embora, uma brisa cortante transpassou seu corpo por inteiro. Olhou ao redor, estranhando a corrente de ar num local fechado como aquele, mas não deu importância. Virou-se para a saída novamente e outra vez sentiu a brisa passar por ele, agora, tão forte que precisou usar os braços para proteger os olhos dos ciscos de poeira que ameaçavam seus olhos. Um burburinho de sussurros se fez presente, deixando-o alerta. Como alguém poderia ter entrado ali? O lugar era fechado à visitação, sendo necessário uma autorização que WangJi bem sabia, era difícil de conseguir. Levou mais de três meses para conseguir a sua e ninguém havia lhe dito que teria outra expedição naquele dia.

Flor de Peônia [Mo Dao Zu Shi/The Untamed]Onde histórias criam vida. Descubra agora