Quando acordei, percebi que estava embaixo d'água. Não conseguia ver direito, mas conseguia respirar. Eu estava flutuando, porém, bem no fundo. Não sabia exatamente onde estava, não é a primeira vez que vejo esse lugar. Vi um cardume de peixes-dourados circulando em volta de algo, formavam um desenho bonito. Nadei mais um pouco e vi uma menina, não era velha, devia ter a mesma idade que Elisa.
Estávamos em uma espécie de rio, mas não nos afogávamos. Tentei vê-la de perto, só que quando estava prestes a ver seu rosto, a correnteza a levou para longe. Ela não gritou, não sentiu, não hesitou. Parecia que já era acostumada com aquilo.
— Ei! Onde você foi? Volta aqui!
Não vi mais a menina e, de repente, senti como se meu ar estivesse acabando. Eu iria me afogar!
Então comecei a gritar desesperadamente, mas eu não parava de afundar. Até que ouvi uma voz familiar...
— Se você tá achando que só porque terminou a escola vai começar a acordar tarde, você está muito enganada! - Parece que minha mãe acordou com o pé esquerdo hoje.
— Merda. Que horas são? - Disse em um grunhido preguiçoso.
Procurei o celular em cima da bancada e vi que já eram 09:30. Me levantei e fui tomar banho, depois comi uma banana com aveia. Já não lembrava mais do que tinha sonhado. — Tudo bem, não devia ser importante. - Pensei.
Elisa desceu as escadas já arrumada e com o uniforme. Naquele momento a minha ficha caiu. Eu tinha terminado o ensino médio. Meu Deus! Já?!
— E aí? Como estou? - Disse Elisa dando um pequeno giro.
— Hum... Deixe-me pensar... Você parece uma aluna do primeiro ano com uma saia do fundamental. - Gargalhei alto com a reação dela.
— Você acha que está muito curta? - Perguntou preocupada.
— Acho que vai atrair alguns olhares, mas nada que você não possa aguentar. - Continuei achando graça e tirando sarro com a cara dela.
Era inacreditável, minha irmãzinha já ia pro ensino médio, que orgulho!
— Mãe, estou indo, tá?
— Certo, filha. Vou te buscar às 16:00.
Elisa acenou com a cabeça e antes que passasse pela porta eu disse:
— Você está muito linda, irmãzinha.
Ela sorriu em minha direção e saiu.
— E você? - Perguntou minha mãe
— Oque tem eu?
— Quando vai começar a faculdade? Não quero filha folgada na minha casa. Se você não for pra faculdade, deve arrumar um emprego. - Disse ela em um tom arisco.
Sempre tive a sensação que minha mãe tinha uma filha preferida, e com certeza não era eu. E o pior é que ela estava certa.
— Me inscrevi em Riverbanks. - Falei enquanto lavava a louça que estava na pia.
— Quando vão divulgar os resultados?
— Amanhã - Respondi apreensiva
— Se você não passar, o que irá fazer? - Perguntou indelicadamente.
Uau! Por que as mães sempre fazem perguntas que não sabemos responder?
— Vou pensar em algo. - Tentei passar confiança com essa frase.
Ela não disse mais nada, apenas saiu da cozinha. Depois do almoço, resolvi sair um pouco para me distrair. Peguei um casaco e fui até a praça perto da escola. Sentei em um banco que ficava em frente ao prédio onde eu estudava, por um momento senti saudades daquilo, por outro dava graças a Deus por ter terminado a escola. Agora eu entraria em outra fase da minha vida, mas não estava tão confiante.
Pesquisei um pouco sobre Riverbanks, e não sei se gosto do aspecto da cidade. Estava perdida nos meus pensamentos até levar um susto com alguém que gritou atrás de mim.
—HELOÍSAAAA! NÃO ACREDITO QUE É VOCÊ! - Era Isabela, uma "amiga" da escola.
Às vezes as pessoas conseguem ser tão sem noção, quem grita em uma praça de meditação?
— Oi, tudo bem? - Disse tentando controlar minha cara de incômodo.
— Tudo ótimo, você ainda está por aqui? Achei que ia para a faculdade. - Ela falou em um tom de deboche.
— Os resultados dos exames saem amanhã. Quem é esse aí com você? - Percebi que tinha um homem atrás dela, mas não reconhecia ele. Como morávamos em cidade do interior, todo mundo se conhecia.
— Esse é Alfred, um amigo de Riverbanks. - Disse se gabando.
— Riverbanks? - Perguntei curiosa.
Ele acenou a cabeça positivamente.
— Me inscrevi na faculdade de lá, alguma recomendação? - Tentei ser engraçada, mas parece que ele não é do tipo que ri muito.
— Nenhuma. - Falou de uma forma fria.
— O que você acha da cidade? - Tentei puxar assunto mais uma vez.
— É boa. - Respondeu mais frio do que na primeira vez.
— Ele não fala muito, ha ha! - Interrompeu Isabela. — Já estamos indo. Foi bom te ver, Helô! -Falou puxando-o pelo braço e indo embora.
Essa menina sabe que eu odeio quando me chamam desse apelido idiota. Que inconveniente! Mas enfim, fiquei com um pé atrás em relação ao garoto. Isabela estava certa, ele realmente não fala muito. Nunca conheci ninguém assim... Bem, talvez seja porque aqui na cidade somos muito animados e extrovertidos. As pessoas de Riverbanks não devem ser iguais a ele. Pelo menos eu espero que não.
Fiquei mais um pouco na praça e fui embora ao começar a anoitecer. No caminho de casa, esbarrei novamente com o sujeito que andava com Isabela. Ele me encarou de uma forma muito esquisita, como se eu estivesse fazendo algo errado. O encarei de volta e tentei dar um sorriso, mas ele continuou sério e depois saiu. Que coisa estranha! Nunca tinha visto alguém assim, será que todo mundo de Riverbanks é assim? Se forem, não sei se quero ir para lá.
Tive medo do cara voltar, então apressei o passo para casa. Chegando lá, subi pro meu quarto, apressada.
— Filha, vai jantar? - Minha mãe fala da cozinha.
— Não estou com fome, mãe! - Respondi subindo as escadas.
Abri o notebook e pesquisei o nome da cidade no Google.
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Um dia após meu suicídio
Misterio / SuspensoOi, meu nome é Isa. Neste livro irei falar sobre minha estadia em Riverbanks, uma cidade que foi marcada por um trágico acontecimento. Irei contar a história, mas ela não é minha.