Posfácio

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Charles, como todas as noites, tinha pego a tigela de porcelana, a qual tinha uma pequena rachadura na lateral, a sua colher favorita, uma de prata que fora da sua avó, colocado um pouco de sopa e sentado no mesmo lugar da velha mesa de madeira, em frente ao grande relógio. Do lado esquerdo, uma fotografia da avó, fazendo uma das coisas que mais gostava, tricotar, o enchia de lembranças. Do lado direito havia um desbotado quadro dos pais que não conhecera.
O pêndulo balançava e o relógio marcava 11 e 12. Curioso aquilo, pois esses números estavam gravados na mesa, mas em forma de data: 11/12. Tocou com os dedos naquela marca. Lembrava bem quando tinha gravado aquilo e o porquê e isso o carregava de emoções desagradáveis.
Voltou sua atenção para a sopa. Várias letras flutuavam despreocupadamente. Algumas se juntavam. Dois 'is', um 'd', um 'e' e um 'a', que acabara de chegar, davam a impressão de o estarem provocando. Rapidamente girou duas vezes a colher e estranhou o que viu. Um texto havia se formado. Só conseguiu ler o início "me vem uma ideia", pois nesse momento os ponteiros do relógio começaram a girar ao contrário. A vela, que havia colocado no centro da mesa, se apagou, tornando a se acender em seguida, fato esse que passou a se repetir. Observou, espantado e se agarrou à mesa, pois estava ficando zonzo com tudo aquilo; por um momento teve a impressão de ter visto algo passando em frente ao relógio. Sua respiração estava ofegante, suas mãos tremiam, começou a sentir o corpo pesado e logo após um puxão. Para qual direção? Não sabia dizer ao certo. Agora a sala estava vazia, a chama da vela voltou a queimar continuamente, a tigela de sopa tinha caído da mesa, se quebrando em muitos pedaços e as letras, espalhadas pelo chão de cimento queimado, já não formavam mais nada. O relógio marcava 11:14.

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