Delírio

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Já pensou em como seria sua vida sem compreender as suas emoções? Sem conseguir explicá-las, descrevê-las ou sequer ter a capacidade de as nomear? Se sentir distante de tudo e todos a sua volta por não saber se expressar, como se fosse um ser de outro mundo, e faltasse algo em si?

Zulema Zahir possuía uma grande dificuldade em se relacionar com as pessoas, sejam elas familiares, amigos ou um potencial interesse amoroso. Na verdade, nunca havia se apaixonado por alguém. Já é complexo demais tentar lidar com seus sentimentos do cotidiano, quanto mais compreender uma paixão avassaladora ou um amor épico. Essa parte da psíque humana era completamente misteriosa para si, é a que menos compreendia: os desejos carnais, os sentimentos intensos - toda vez que os sentia era como ter fortes dores de cabeça ou dores do estomago. E o amor, nunca soube realmente o que significa, tanto o amor fraternal, dos pais, ou de qualquer outro tipo. A alexitimia nunca permitiu que compreendesse tal sentimento, e seu déficit de interações sociais também a torna difícil fazer com que alguém quisesse se aproximar.

Mesmo não nascendo a uma família perfeita e que tivesse suas limitações, sempre buscou sua independência. Conseguiu comprar seu próprio apartamento, que foi fruto do salário que ganhava como engenheira estrutural. Foi difícil fazer a faculdade, precisando estar presente em um lugar completamente novo, se comunicar com as pessoas, que era seu maior problema. Mas no final das contas lhe rendeu bons frutos persistir em fazer o que gostava, onde tinha constante contato com cálculos, elaborar plantas de construções em geral, fazendo tudo na única forma que sabia: de forma completamente racional, lógica e previsível.

Apesar de vim de uma família com descendência árabe, residia em Madrid a alguns anos. Onde passou a frequentar o hospital geral Cruz Del Sul, que era bem próximo do apartamento que morava. Passou a se consultar duas vezes por semana com uma psicóloga e psiquiátrica, Dra. Ferreiro. Fazendo muito bem à Zulema, onde poderia conversar abertamente com a única pessoa do mundo que parecia a entender, e que a conhecia mais que si mesma. Ajudou-a entender do porquê se sentia anormal em relação ao resto do mundo, do porquê não conseguia se relacionar com facilidade, e até mesmo foi lidando melhor com os seus sentimentos, passando a não serem apenas explosões incompreensíveis e embaralhadas no seu interior, e sim conseguir entende, mesmo que ainda tivesse dificuldade, e também passou a se empenhar mais em decifrar expressões faciais, porque também tinha dificuldade nisso.

O entrosamento rápido dessas duas como uma relação médica-paciente foi tão espontâneo e suave que em poucos meses de consulta, Zulema conseguia ser ela mesma dentro das quatro paredes do consultório. Sendo uma reação totalmente esperada, a sua psiquiátrica era excepcional no que fazia. E gostava de ouvi-la, apesar de não ser o ideal tinha um certo afeto por essa paciente. Gostava de ouvir seus pensamentos excêntricos, que proviam tanto de suas limitações quanto por sua personalidade singular. Se dedicava demasiada em entender a complexidade singular do psíquico de Zulema Zahir. E quanto mais a entendida mais queria continuar a compreender esse quebra-cabeça misterioso.

Em suas primeiras consultas a doutora considerou que tivesse o transtorno de personalidade antissocial, devido a sua notória falta de empatia com o mundo ao seu redor, o falso aparento da ausência de sentimentos e expressões faciais. Porém com alguns meses de diálogo, escutando atentamente a bela mulher que era sua paciente, e podendo observar suas manias corporais, foi possível diagnosticar perfeitamente seu quadro psíquico, com alexitimia, justificando a incompreensão dos sentimentos. A Dra. Ferreiro era uma excelente profissional de sua área, tendo muito contato com pacientes semelhantes ao de Zulema, que não era nada de impossível de tratar. Sempre foi muito fascinada pelo funcionamento da mente humana, como cada pessoa lida as mesmas situações, mas por uma maneira diferente, os modos de comportamento. As vezes se pegava distraída quando percebia que passava tempo demais reparando nas piscadas rápidas que sua paciente fazia quando agitada. E até mesmo conseguia ser pega de surpresa por seus pensamentos filosóficos, que nem mesmo depois de anos estudando a mente humana e tratando dos mais diversos tipos de pacientes, conseguiria ter tal raciocínio. Zulema era seu enigma preferido.

One Shot's ZurenaOnde histórias criam vida. Descubra agora