1 ano depois
Declan
Havia períodos na vida em que tudo estava bem demais. Seu casamento estava mais forte do que nunca, seus filhos estavam progredindo na escola, e você enfim alcançava a estabilidade financeira através de um emprego que adorava. Eram nesses momentos que nós parávamos e nos perguntávamos: o que poderia dar errado?
Minha resposta era: tudo!
Simplesmente tudo!
Minha esposa estava morta. Meus filhos, uma bagunça emocional; e meu emprego... Eu tinha acabado de perdê-lo.
Sempre fui apaixonado por mecânica. E não apenas a parte da engenharia e funcionamento das coisas, mas também a mecânica da vida. Ainda me lembrava do quanto minha mãe ficava chateada ao achar o controle remoto aberto e o ventilador desmontado. Bastava me deixar sozinho com uma chave de fenda que em pouco tempo eu já desmontava os eletrônicos da casa. Durante o ensino médio, continuei fascinado por engenharia, e encontrei minha vocação quando aprendi mais sobre carros. Muitos duvidaram que eu conseguiria trabalhar com a Fórmula 2, mas erraram. Por anos, tinha atuado como mecânico chefe, à procura do melhor carro de corrida do mundo. Quase todos os projetos da equipe Carlin tinham o meu suor, a minha marca. Bem, tinham.
Eu segurava as caixas com os meus pertences, que sempre deixava no centro de pesquisas e desenvolvimento. Estava indo para casa sem emprego e sem forças.
Perder minha esposa tinha destruído minha vida, destruído tudo! Eu não tinha ânimo para nada além dos meus filhos, que muitas vezes me renegavam. Não conseguia chegar nos horários marcados para quase nenhum compromisso, pois sempre alguma das crianças necessitava da minha atenção.
Perdido. Eu estava perdido! Como ia cuidar da minha família?
Botei as caixas em meu carro e dirigi distraído — algo irresponsável a se fazer, uma vez que minha esposa tinha feito a mesma coisa. Meus filhos já haviam perdido muito, não podiam perder a mim também.
Obriguei-me a deixar os pensamentos de lado pelo menos até chegar em casa. Mas, ao abrir e fechar a porta da garagem, não tive vontade de entrar para onde sabia que as crianças estariam com a minha sogra. Com que coragem explicaria o que tinha acontecido? Como responderia às centenas de perguntas que sabia que eles fariam?
Meu Deus... Me dá uma ajuda!
Respirei fundo e, com as mãos trêmulas, passei pela porta de entrada da casa, andando até a sala.
Meus filhos realmente estavam ali, mas, felizmente, dormiam enquanto minha sogra zapeava pelos canais disponíveis na TV. Dona Helena estava comigo desde que Christie partira. Toda a minha família e a de minha falecida esposa conversaram muito para concluir quem viria me ajudar. Meus pais queriam que tivéssemos voltado para a Irlanda, ao passo que a família de Christie queria que nos mudássemos para o Brasil. No final, recusara as duas ofertas e, verdade seja dita, nenhum dos lados estava satisfeito.
— Declan, você chegou! Eles dormiram há pouco tempo. — Helena sorriu ao olhar para mim, mas não pude retribuir.
Ela fazia de tudo para me ajudar com as crianças e com a casa. Apesar de sua filha ter falecido há um ano, Helena tinha sido a pessoa a aceitar mais rápido. Ela era muito religiosa e me dizia que as coisas sempre aconteciam por algum motivo que nós não tínhamos o direito de julgar ou nos queixar.
Gostaria de conseguir acreditar nela, seria mais fácil.
— Oi, Helena. Como você está? — Aproximei-me para beijar sua bochecha. — Vou colocá-los na cama. Depois nós podemos conversar?
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Ah, esse irlandês! - Irmãs Bittencourt - Livro 1. (Degustação)
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