Nós éramos apenas crianças brincando de amor — enquanto comíamos balinhas de chocolate e brincávamos de Cebolinha e Mônica — mas fazíamos isso melhor do que a maioria dos adultos.
PENÉLOPE
Apesar de já ter 21 anos e morar sozinha, algumas coisas ainda me deixavam doida — louquíssima. Uma delas era a sessão de doces do supermercado.
Eu poderia ficar séculos naquele lugar e acabar escolhendo os mesmos doces — inclusive chocolates que me fariam ter uma baita crise alérgica. No entanto, ir naquele lugar era um evento glorioso para mim e, por isso, meu ilustre namorado sempre me deixava ali e ia em direção às coisas menos importantes como sabão em pó.
Em uma dessas, estava procurando um pacote de Marshmallow de açúcar rosa extremamente empolgada quando o vi. Acho que já deu para perceber o quanto eu, Gabriella, sou ferrada na minha vida amorosa. Mas dessa vez não foi tão ruim.
Havia passado mais de 10 anos que eu não o via e só soube que era Guilherme por causa de uma pintinha que ele tinha entre os olhos.
Arregalei os olhos ao notar que de fato era ele e tive a impressão que Gui também me reconheceu. Aquele homem era simplesmente meu amor de infância, o primeiro na verdade. Eu jurava que iríamos casar e termos vários filhos e nenhum cachorro — afinal, naquela época cachorros me assustavam.
Ele segurava um pacote de balinhas de chocolate e sorria genuinamente com aquilo. Involuntariamente, também sorri. Meu cabelo estava curto e ostentava uma franja bem alinhada — motivo de meu ódio matinal — assim como na época que havíamos nos conhecido.
Eu tinha uns 5 anos — no máximo — e tinha acabado de mudar de escola. Estava sentada em um banquinho segurando minha boneca firmemente e com algumas lágrimas nos olhos. Só queria voltar para a minha antiga escola.
Foi naquele momento que ele apareceu, sentou ao meu lado e logo em seguida me chamou para brincar de pique.
Era incrível como Guilherme me trazia paz e sempre me protegia — igual a vez que a gente foi no zoológico e ele ficou segurando minha mão só porque eu tinha pavor de cobras. Ele foi meu amor de uma infância muito longa, aquela brincadeira havia durado mais de 6 anos com direito a cartinhas, declarações de amor e casamentos falsos.
Até hoje fico impressionada como tudo era mais fácil naquela situação, a gente se gostava — de uma maneira infantil — e não escondia isso. Não tinha jogos de ciúmes ou de interesse, era algo simples, mas era real ao nosso modo.
— Bibi, quando a gente crescer eu vou te pedir em casamento. — ele disse uma vez quando a gente tinha, no máximo, 8 anos — Você vai aceitar?
Estávamos no recreio, cansados demais para continuar brincando de Cebolinha e Mônica. Comíamos balinhas de chocolate sentados no chão, enquanto os nossos amigos nos olhavam maliciosos — definitivamente, não sei quem inventou a bobagem que criança era inocente.
— Vou. — eu disse depois de um tempo em silêncio comendo as balinhas — Eu gosto muito de você, Gui.
Não conseguia desviar meu olhar do dele, como não conseguia parar de sorrir. Era como se a Gabi criança se manifestasse ali vendo a sua maior paixonite.
Ele era o Troy, enquanto eu era a Gabriela — que mais parecia a Sharpay.
As coisas não mudaram durante muito tempo, Guilherme conseguia mostrar muito melhor seus sentimentos do que eu — tudo que conseguia fazer era ficar vermelha de um jeito que todos achavam fofo, menos eu — mas, por algum motivo estranho, ele ainda gostava de mim.
Eu jurava que iríamos ficar juntos para o resto da vida, afinal, éramos grudados e a gente se gostava tanto ao ponto de segurar as mãos durante o recreio ou fazer dupla nas atividades ou até dividir as balinhas de chocolate.
Podemos perceber que desde sempre eu fui iludida.
Não era nada malicioso ou adulto, éramos apenas crianças brincando de amar. E, modéstia a parte, fazíamos isso muito bem.
Havíamos mudado muito — eu nem tanto, pois ainda tinha cara de criança — mas nos reconhecíamos diante um supermercado cheio. Ele ainda tinha covinhas e, mesmo de longe, conseguia perceber que Gui ainda era menor que eu.
Ainda lembrava do dia horrível que ele me contou que iria mudar de escola. Aquela foi a primeira vez que meu coração havia sido quebrado, tínhamos 10 anos e, naquela época, não ver Guilherme todos os dias era inaceitável.
No último dia de aula, pela primeira vez, o abracei mais forte diante alguns gritos de nossos colegas — criança é uma praga muito aleatória. Ele também me abraçou, beijou a minha bochecha e então foi embora.
Depois daquilo nos encontramos poucas vezes, mas por algum motivo estranho ainda nos gostávamos.
Como eu disse, sempre fui muito iludida e Guilherme não colaborava com aquilo.
Até que com 11 anos, ele me pediu em namoro e eu não aceitei. Achava que éramos novos demais para aquilo e pensar em beijar me dava dor de cabeça e enjoos. Apesar de gostar dele, depois daquilo fomos nos afastando até desaparecermos de vez um da vida do outro.
Durante um tempo, até tinha notícias dele, mas depois dele mudar de cidade não soube de mais nada sobre o meu primeiro amor.
Agora, por alguma ironia da vida, estávamos frente a frente a poucos metros um do outro. Ele sorria e eu também.
Minhas mãos estavam geladas e sentia que estava corada, Gui deu uma risada diante a isso e balançou a cabeça como se dissesse: Algumas coisas nunca mudam e eu apenas mexi os ombros como se também dissesse: Algumas coisas não podem ser mudadas.
Ali, diante a Guilherme, entendi que não iríamos ficar juntos — isso nem fazia mais sentido — porém, ele sempre faria parte da minha história e diante a essa constatação, não me aborreci. Havíamos vivido algo puro e inocente e extremamente gostosinho de se lembrar.
Ao contrário das outras desilusões, com essa eu conseguia dar um sorriso e guardar a lembrança com bastante carinho.
Ele estendeu a mão em que continha o saco de balinhas de chocolate e me entregou. Tive que me controlar para não me jogar em seus braços em um abraço e, por isso, só aumentei meu sorriso ainda mais.
Simultaneamente, duas pessoas de lados opostos no chamaram. Uma delas era Vinícius — meu namorado — e a outra, deduzi que era a namorada de Guilherme. Ainda ficamos milésimos de segundos nos olhando, antes de acenarmos com a mão — de uma maneira muito infantil — e irmos embora novamente um da vida do outro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos de Desilusão para Pessoas Iludidas
Short StoryQuem nunca sofreu por amor - ou por paixão? Acredito que todos nós temos alguma história trágica sobre esse assunto e, diante esse assunto tão polêmico e catastrófico, reuni uma coletânea de contos sobre algumas situações amorosas que nem tinham co...