2019

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   Desde pequena ela sempre imaginara-se morando sozinha, estudando em uma biblioteca em sua casa. Até o momento, a única coisa que conseguira fora sair da casa de seus pais para morar com uma colega de sua turma. No primeiro ano da faculdade, Heike vira que alguém queria uma colega de quarto. Viver com uma desconhecida não era bem o que ela pretendia, mas qualquer coisa para não precisar mais aturar seus pais – nem sei atrasar para as aulas – era melhor.

   – Heike, o café está pronto.

   – Já vou.

   Antes, pegou o celular e viu a data; deu um pequeno sorriso. Era o aniversário de sua irmã mais nova.

   Guardou o celular no bolso. Mais tarde ligaria para ela. Quando chegou na cozinha, Ana já estava sentada tomando seu café. Mesmo sendo apenas dois anos mais nova que a amiga, Heike considerava-a uma mãe melhor que a sua própria.

   – Parece que alguém não dormiu bem essa noite – disse Ana.

   – Por que diz isso? – Heike perguntou, sentando-se e preparando seu pão com presunto.

   – Apenas... algumas olheiras, mas nada que uma maquiagem não esconda – ela se levantou e levou a louça para a pia. – A louça é sua. Não demore muito. Assim que eu sair do banho vamos para a faculdade – e seguiu para o banheiro.

   Heike deu um sorriso. Há alguns anos, enquanto morava com seus pais, nunca imaginara que comeria pão com presunto e café no café da manhã. Ou que conheceria alguém que tomasse dois banhos por dia... Enfim, que parasse de pensar e começasse logo a lavar a louça.

   Assim que chegaram na faculdade, Heike foi para a sua sala. Estava na hora de ter alguma ideia para o trabalho final. Mesmo que fosse um trabalho em equipe, ela era a líder e achava que deveria ter a ideia – fora que o grupo nem parecia ligar para o projeto. Três batidas na porta a despertaram.

   – Entra – gritou, sem tirar os olhos do computador.

   – Heike – disse aquela voz anasalada e calma que sempre a fazia respirar fundo quando ouvia. Tudo nele gritava paciência, e era o exato oposto do que precisavam agora –, posso entrar ou está muito ocupada?

   – Entra, Max – disse, ainda sem olhá-lo. Queria ideias inovadoras, mas não conseguia achar nada interessante, a não ser... Não! Definitivamente não.

   Max sentou e o silêncio que estava na sala antes dele chegar voltou. Ele a encarava e ela nem o olhava, mesmo que sentisse o peso do olhar.

   Um minuto... cinco minutos... dez minutos...

   Pelo menos foi isso que sentiu.

   – O que você quer, Max? – finalmente olhou para ele e cruzou os braços em cima da mesa.

   – Eu sei que... bom... nós precisamos falar sobre a base do nosso trabalho para os professores.

   Heike respirou fundo antes de falar.

   – Sim, eu sei. Estou atrás disso há quase um mês, mas ninguém se mexe para me ajudar. TODOS os grupos já deram as ideias, menos o nosso! – aumentou o tom de voz.

   – Eu sei, e é por isso que eu vim aqui. Eu tive uma ideia! – deu um sorriso. Heike descruzou os braços. Sabia que aquela não era a faculdade que ele queria, e isso sempre a deixou com o pé atrás com ele; mas, por outro lado, sabia que Max era um bom aluno.

   – E qual é a ideia?

   Ele se aprumou na cadeira.

   – Bom...

   Sua fala foi interrompida por Ana Carolina, que adentrou a sala fazendo mais barulho que o normal e fazendo Max a virar para ela.

   – Uma máquina do tempo! – praticamente gritou.

   – Você estava escutando? – Max perguntou.

   – Talvez... Você enrola demais. Enfim, o que acha, Heike? – deu um sorriso ansioso.

   Heike mantinha o olhar parado à sua frente, como se ninguém estivesse ali.

   – Heike? – Ana balançou a mão em frente ao rosto da amiga, o que adiantara, pelo visto.

   – Gente, vocês ouviram o que acabaram de dizer? – arregalou os olhos. Não era possível que eles estivessem falando sério. – Uma máquina do tempo? Por favor... Nós precisamos de ideias que possam realmente vir à tona. Isso não é um filme de ficção científica, é a vida real e um projeto que ajudar-nos-á a sair da faculdade!

   – Nós sabemos que não é um filme... – Max começou.

   – Mas é algo que poderia revolucionar tudo – Ana continuou. – Já pensou se ganhamos um Nobel? Heike, nós seríamos conhecidos! Vocês se formariam com muitas honras, ganharíamos tanto dinheiro que meus pais não iriam me chamar de louca por vir para a Europa fazer uma faculdade que talvez não desse tanto retorno – ela divagou um pouco.

   Heike respirou fundo passando as mãos pelo rosto e pelos cabelos.

   – Até amanhã eu dou uma resposta para vocês – disse, embora já tivesse uma em mente.

   – Pensa com carinho – Ana disse, dando um sorriso amarelo, antes de puxar Max consigo para fora da sala.

   À noite, durante o jantar, Ana olhava para Heike com um sorriso que às vezes chegava a assustá-la. Era uma ideia um tanto quanto interessante, porém com o grande risco de não ser aceita pelos professores, e aí seria mais um ano para tentar formar-se; mas, se fosse aceita, viriam todas as coisas na qual Ana havia lhe falado. Haviam muitos prós e contras em toda essa ideia, então precisaria de muito tempo para pensar - tempo esse que não tinham. Cada uma foi para um quarto às dez.

   Heike deitou-se, porém não conseguiu pegar logo no sono, então pegou seu notebook e começou a formular um texto para a apresentação aos professores de uma forma que tornava tudo o menos fantasioso possível. Um bom tempo havia se passado e ela sentiu algo.

   Olhou para o relógio. Era quase uma da manhã e alguma coisa a incomodava. Esquecera-se de algo... ou será que apenas tentava enganar-se a si mesma, pois não gostava de passar por aquilo? Fosse o que fosse, "aquilo" parecia fazer sentido. Seu celular apitou com uma mensagem e o nome da irmã carimbou a tela.

   – Obrigada. 

Todos os Nossos TemposOnde histórias criam vida. Descubra agora