Antonny

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Quando iniciamos nossa amizade, o Antonny não era o melhor dos amigos. Ele não falava comigo, não me escolhia para fazer dupla, me deixava sozinho no banheiro e não emprestava absolutamente nada de seu material escolar pra mim. E se você tá pensando "os pais dele devem ter ensinado ele a não emprestar", você tá errado. Os pais do Antonny sempre foram muito afáveis e o ensinaram desde novinho a ser altruísta, mas ele era o oposto ao que seus pais queriam. Sempre mimado, egoísta, desconfiado, rude, birrento e agressivo. Não importava o quão gentil e amável você fosse, ele nunca te trataria da mesma forma. E esse foi o motivo pelo qual me afastei dele depois de um ano de amizade. Eu não aguentava mais ser tratado de forma grosseira. Antonny não sabia demonstrar carinho, não sabia brincar ou até mesmo conversar sem bater. Sabe aquele primo de seis anos que você detesta por ser uma praga? O Antonny era meu primo de seis anos, e eu detestava esse jeito dele. Eu chorava muito mais pelas coisas que ele me fazia do que por apanhar dos outros colegas de classe. Ele me chutava, mordia, empurrava, beliscava e até mesmo chegou a me cortar com uma tesoura. Meus pais não aguentavam mais me ver chegar em casa todo quebrado e então me tiraram da escola. Essa foi a única forma que eles acharam de resolver a situação sem reclamar com os pais do Antonny, coisa que eu pedi pra eles não fazerem. Apesar de não gostar das brincadeiras pesadas, eu o considerava um amigo. Quando soube que eu havia saído da escola, ele veio me procurar para saber o porquê. Eu não falei a verdade, apenas disse que não gostava dos professores e por isso pedi que meus pais me trocassem de escola. Logo depois disso o Antonny se matriculou na mesma escola e daí as coisas continuaram como antes.
O Antonny só mudou realmente de comportamento aos onze anos, quando apanhou de um ex-colega de classe nosso. O Antonny esbarrou de propósito no garoto e não pediu desculpas. Quando o garoto foi exigir que ele pedisse desculpa, o Antonny agiu da mesma forma de sempre, grosseiro e agressivo. Mas ele não contava que o garoto fizesse aulas de boxe e aí você já deve imaginar o que rolou. Depois desse episódio o Antonny entrou num estado de paz interior infindável. Ele não gritava, não era grosseiro, ficou gentil, empático e carinhoso. O que uma surra não faz, hein? Tô zoando, não levem isso como conselho.
E em uma virada totalmente drástica o Antonny mudou do menino arrogante para o garoto nerd, atrapalhado e que só paga mico na escola. Fora o episódio da barba que já contei pra vocês, existem mais dois do qual ele não se orgulha. Quando tinha doze anos, o Antonny descobriu o frim, um app de relacionamentos pouco conhecido. Nesse app ele conheceu uma garota e rapidamente se apaixonou por ela. Ele vivia falando nela e falando com ela. Eles não paravam de conversar. Trocavam tantas mensagens que seus dedos criavam câimbra.
Os dois não trocaram fotos e nem conversaram por chamada de voz, o que era estranho, mas mesmo assim eles decidiram se encontrar, e então ele viu que a sua garota de dezesseis anos na verdade era uma senhora de quarenta anos. O Antonny ficou arrasado e chorou por meses. Eu não sabia se ria ou dava apoio, no final eu ri muito e depois o consolei, como um bom amigo sempre faz. O seu segundo maior drama foi quando uma das garotas da nossa classe, por quem ele era apaixonado, pediu nudes e ele mandou. O resultado disso? Ela enviou para todos na escola. Mas dessa vez as coisas não foram tão ruins. Os pais do Antonny processaram os pais da menina e eles ganharam uma indenização de dez mil reais por danos morais e a garota pediu desculpas pra ele e, como forma demonstrar arrependimento enviou nudes para ele.
Ele sempre esteve comigo e sempre me ouvia, me dava conselhos, mesmo que os conselhos dele não fossem os melhores, mas mesmo assim, ele sempre tava ali por mim e eu sempre tava ali pra ele. Não importava o quão constrangedor fosse, ou quão ruim fosse, nós sempre podíamos contar um com o outro. Compartilhamos tantas coisas que ele achou que minha namorada também pudesse ser compartilhada.

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Avenida Brasil, um dos maiores sucessos da rede Globo. O capítulo da novela era 169, Max tinha acabado de entregar as fotos que a Nina havia feito dele e da carminha trepando para a família do tufão. A Carminha estava sendo desmascarada e, mesmo assim, ela ainda insistia em se fazer de vítima.
Mas você deve tá se perguntando: que porra isso tem a ver? Eu tava assistindo o vale a pena ver de novo e acabei assimilando tudo o que tava acontecendo na novela a tudo o que tava rolando na minha vida. Eu era a Ivana, a Carminha era o Antonny e o Max era a Marina. Eu entendia perfeitamente tudo o que a Ivana tava sentindo. Alguém que ela amava, confiava e jurava estar do lado dela na verdade era uma puta traíra. Ela estava se perguntando: há quanto tempo eu tava sendo chifruda? Há quanto tempo esses dois estavam rindo da minha cara? E eu tava me fazendo as mesmas perguntas. Eu já estava cansado de pensar na Marina e no Antonny, minha cabeça dava voltas naquelas mesmas malditas perguntas e eu não aguentava mais escutar Lana del Rey. Eu não sabia mais o que sentir. Logo de início eu estava com tanta raiva que podia assassinar aqueles dois, mas agora, eu não sabia se estava com raiva, triste, magoado, decepcionado ou apenas cansado de tudo aquilo. Os dias passavam e eu não percebia. Todo aquele drama tava me sugando de uma forma tão pesada que eu havia ficado sem comer por dois dias inteiros. Sem sacanagem, eu fiquei a base de água por dois dias inteiros. Aquilo tava me matando, não apenas o fato de que meu melhor amigo tava fodendo com a minha ex-namorada por sei lá quantos dias ou meses, mas o conjunto de tudo o que tinha acontecido no decorrer daqueles meses. Minha família perder todo o dinheiro, nos mudarmos para uma casa em outro estado, minha namorada me largar e o fato de eu estar indo tão mal na escola que ninguém acreditava nas minhas antigas notas. A única coisa que me fazia sentir melhor e que me dava paz era o clonazepam. Eu não gostava da ideia de estar dependente de um remédio. De início eu tomava algumas gotas, depois essas doses foram aumentando de forma desenfreada e então tudo o que eu queria eram aqueles minutos de sossego e tranquilidade no grande nada. Eu não digo que sou a favor do uso de drogas, mas às vezes elas se tornam tão necessárias. No meu caso, eu precisava esquecer da merda que minha vida havia se tornado e sim, eu não precisava do clonazepam pra sair daquela, mas aquele era o meu meio mais fácil de não pensar em nada e o pensamento era óbvio: se eu tenho como, por que não? Mas a minha cartela tinha acabado e eu precisava de mais.

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