(Pre) Juízo

Gabriel part. I

Uma coisa que vocês não sabem sobre o Gabriel é que esse não é seu nome. Na verdade, ele se chama Rafael, mas vamos do início. Ele era uma criança normal, completamente, igual a todas as outras. O pai dele era vendedor de consórcios e a sua mãe dona de casa. Ele passava parte do seu dia com a mãe, mas de vez em quando seu pai dava um jeito de levá-lo para o trabalho e assim poderem ficar juntos.
Rafael tinha uma crença bem boba, ele costumava acreditar que os piores monstros se escondiam na lua. Bruxas, vampiros, lobisomens, bicho papão e aquele apresentador da rede tv. Ele só se sentia seguro à noite quando estava perto dos seus pais. Até hoje ele não sabe de onde tirou essa história. Mas então um dia ele percebeu que os verdadeiros monstros estavam bem mais próximos do que ele podia imaginar.
Seu pai tinha uma outra mulher em um outro estado. Certa vez, enquanto ouvia o pai conversar, ele descobriu e contou pra sua mãe. Ele esperava que ela chorasse, fosse bater em seu pai ou pedir explicações, mas tudo o que ela fez foi rir.

- Pelo menos agora não preciso mais me sentir culpada. Tudo o que eu suspeitava era verdade. - Disse ela rindo enquanto lagrimava.

Rafael ficou confuso e tentando entender a reação de sua mãe.

- Como assim? - Perguntou ele confuso.

- Você vai entender. Não se preocupe. - Respondeu ela.

Dias depois ele foi levado para um laboratório onde fez um exame de DNA. O resultado saiu poucos meses depois.

NEGATIVO

Logo depois de saber que não era filho biológico de seu pai, a vida dele se tornou um inferno. Fora a barra de saber que o homem que ele mais admirava e se espelhava não era seu pai de sangue, ele ainda teve que lidar com as brigas constantes de seus pais por sua guarda. No final das contas o pai dele ganhou a briga. Rafael foi obrigado a mudar de estado e ir morar com uma pessoa completamente desconhecida, e não é como se o seu pai quisesse sua guarda por amá-lo, mas como uma forma de vingança. A sua mãe não deu mais notícias, parou de responder suas mensagens e atender suas ligações. Mas ele sempre deixava uma mensagem na caixa postal na esperança que ela ouvisse e o retornasse. Uma criança de 10 anos tendo que lidar com desprezo do pai, ausência da mãe e mesmo assim Rafael ainda os amava e sonhava todos os dias que sua vida voltaria ao normal um dia. Morando em São Paulo, ele conheceu a Tati, vizinha que morava ao lado da casa de sua madrasta. Os dois logo ficaram próximos e conforme os anos foram passando eles ficavam cada vez mais amigos até que a amizade se tornou paixão. Eles namoraram por um tempo e tudo parecia ter melhorado. E aquela ferida aberta pelos problemas familiares se fechou, até que certo dia Tati quis conversar com Rafael sobre algo. Ela contou que queria dar início a sua transição. Ele não entendia e não conseguia aceitar, ele fez Tati decidir entre continuarem juntos ou fazer a transição. Já devem imaginar o que aconteceu depois. Os dois não se falaram por meses. Ele sofreu muito, foi como se a ferida fosse aberta novamente e doía muito mais. Depois do término sua vida parecia completamente sem sentido. Ele sentia como se o mundo todo o odiasse e não era pra menos todas as pessoas que ele mais amava acabaram o magoando. Ele começou a sentir raiva de todos e também de si mesmo. Ele repetia inúmeras vezes que a culpa era sua, por ser apegado e por amar demais. Então ele resolveu mudar, mas não superficialmente, a mudança foi bem afundo. Ele percebeu que sempre colocou as pessoas em primeiro lugar, se dedicava a elas e as amava sem querer nada em troca, mas não era correspondido. Ele decidiu que a partir daquele momento se priorizaria e se colocaria em primeiro lugar sempre. Ele mudou seu estilo de se vestir, passou a ser mais descontraído, mudou seus gostos musicais, mudou sua forma de falar e tudo no que ele acreditava. E ali nascia o Gabriel, alguém que seria tudo o que o Rafael jamais imaginou que pudesse ser. Gabriel começou a frequentar festas, era espontâneo, sabia conversar e então ele começou a ganhar sua fama não só na escola, mas na cidade. Todos conheciam ele e gostavam dele, mas não era fácil impressionar Gabriel a ponto de fazer ele gostar de você. Poucas pessoas despertavam o interesse dele, e eu não sei se foi sorte ou acaso, mas ele gostou de mim. Gabriel costumava me dizer que não precisava de mais ninguém se me tivesse por perto porque eu valia muito mais que todas as pessoas do mundo e eu sentia o mesmo.