A primeira das criaturas foi sorrateira, chegou sem nem fazer alarde, era um demônio andrógeno de cabelos longos e rosados, a pele pálida e o rosto angulado, mas que trazia um ar feminino – Nossa, quanto sofrimento menino, essas lágrimas parecem tão doces. O menino solitário enxugando as lágrimas que atrapalhavam sua visão, ergueu a cabeça em direção a aquela criatura. Ela era alta e esbelta, com ombros largos e curvas no quadril, estava com a pele quase toda exposta e parecia se insinuar para o garoto – Quem é você? O que é você? Com uma fugacidade suave, o ser devasso se aproximou com o rosto bem próximo ao do menino e com uma das mãos segurou seu queixo, com unhas longas e afiadas que poderiam facilmente furar a carne de seu rosto. Sentindo-se imobilizado viu os lábios arqueados e sensuais do demônio soltarem uma voz que parecia encanta-lo – Eu sou o que você quiser que eu seja, sou o seu desejo mais profundo, sou aquilo que vai te levar para o céu para depois sorrir quando te soltar lá do alto. A bela criatura soltou as garras do menino, para ele foi como se ele voltasse a respirar, o ser se sentou e cruzou as longas pernas, era impossível não ficar admirando a delicadeza de seus movimentos misturada com perigo que ela exalava. O menino encolheu-se como uma forma de proteção – Eu não entendo, não chamei por você, qual é o seu nome? O demônio olhou com desdém – Já me chamaram de vários nomes, Lilith, Adônis, Afrodite, vários nomes mas apenas uma sentimento, eu sou o desejo, o desejo que você tem, ou melhor, o desejo que você quer causar, você quer ser desejado, você quer ser sujado de várias formas, que safadinho. O garoto ficou vermelho de constrangimento e desviou o olhar daquele demônio – Você já foi manchado, não é mesmo? Eu vejo isso em você, os olhos não mentem, os humanos estão certos quando dizem que eles refletem a alma, é por eles que você consegue enxergar o desejo, as ambições e os medos e é através deles que no suspiro certo você consegue roubar tudo deles, tornando-os uma casca medíocre e vazia. O menino choroso estava se acostumando com a presença da criatura, mas não aceitava o que ela dizia. Ele não queria ser sujo, ele só queria ser amado. O demônio percebeu o insatisfação do menino – Sabe garoto, a muito tempo atrás eu era como você, eu só queria ser amada, eu só queria dar amor, mas o amor não serve de nada, os humanos não sabem amar, eles usam você até não sobrar nada, até você se sentir vazia e inútil, e então você persegue isso, porque o desejo faz você se sentir preenchida, se sentir amada, mas isso não é amor, é apenas desejo. Eles fazem falsas promessas e te juram coisas que não podem cumprir e quando você menos percebe, em um momento de fraqueza eles somem porque não conseguem lidar com você, não conseguem te amar. O menino não acreditava nas palavras do demônio – Isso é mentira, o amor tem muitas formas e nós conseguimos amar e apesar das cicatrizes que os outros podem causar, nós devemos continuar amando, pois o amor protege, o amor cura. A criatura parecia se irritar com a tamanha insolência vinda de um serzinho tão insignificante, mas ao mesmo tempo os olhos purpuras da criatura demostravam uma fragilidade, como se o garoto tivesse despertado algo nele, podia-se ver um pingo de esperança através daquela frieza que os olhos do demônio mostravam – Você acredita em mim, uma parte lá no fundo pelo menos acredita, eu sei disso, seus olhos também não mentem. A luxúria daquele ser parecia ter diminuído, o menino tinha o pego desprevenido – Talvez você esteja certo ou apenas você seja estúpido demais para acreditar no que diz, eu não sei ao certo, não importa, eu terei de ver você se tornar algo parecido comigo ou talvez até pior, quando todas essas suas certezas acabarem e só te restar o vazio. O demônio parecia ter desaparecido com a mesma destreza na qual tinha aparecido, mas suas últimas palavras pareciam pairar no ar, assim como aquela sensação libidinosa, mas o garoto sabia que ela sempre estaria ele sabia que assim como a criança dos olhos escuros o desejo era parte dele, e o demônio sempre sussurraria em seu ouvido, ela queria tudo, ela queria que ele se torna-se ela.
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O mal que em mim habita
FantasyO garoto já sabia que não estava mais na realidade, ele sabia que tinha entrado em sua cabeça e que dali em diante tudo seria as distorções dos seus pesadelos mais sombrios.