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Rápida como aprendi a ser, dei um salto para trás que fez a minha perna ferida arder, e peguei a pistola que eu havia deixado presa no meu cinto. A arma era pequena e estava descarregada, mas ele não precisava saber disso.

- Ei, calma, eu não vou te machucar. - Ele disse calmamente e levantou as mãos num sinal de rendimento. Usava um par de botas pretas desgastadas, calças jeans e um sobretudo marrom, e apesar do casaco e das botas estarem bastante surrados, a calça e a camisa branca estavam consideravelmente limpos. Usava luvas igualmente mal tratadas pelo uso intenso, e um cachecol de lã vermelha que me dava calor só de olhar, considerando o sol que escaldava os nossos cérebros.

Ele usava parte do grosso cachecol para cobrir o rosto, deixando visível apenas dos seus olhos para cima. Seus olhos eram de um castanho claro que brilhavam à luz do sol, e tinha cabelos da mesma cor e desarrumados.

- Você tem nome? - Ele perguntou ainda com as mãos estendidas. Eu hesitei.

- An... - Respondi. Minha voz travou na garganta. Fazia muito tempo que eu não falava uma palavra se quer. - An...

- Eu sou Berry. - Pude notar que ele sorria, apesar do grosso pano que cobria seu rosto. - É um prazer te conhecer, Ana. - Naquele momento, eu estava assustada e confusa de mais para perceber que ele não havia compreendido o meu nome, e, para ser sincera, eu nem se quer me preocupei em corrigí-lo. Ele se aproximou lentamente e esticou a mão direita para me comprimentar. Hesitei mais ainda, mas ele não me parecia perigoso. Apesar de se bastante alto e ter uma arma presa numa bainha de couro, seus olhos eram doces e calorosos. Abaixei a arma lentamente, e ele não se moveu. Continuou me olhando com a mão esquerda erguida em sinal de rendição e a direita esticava na minha direção, esperando que eu o comprimentasse. Seus olhos me fitavam como se tentassem se comunicar com a minha alma, mas ainda eram tão gentis e ternos que me obrigaram a confiar neles.

Claro, levei alguns minutos para tomar a decisão de baixar a minha guarda enquanto milhares de perguntas e cenas giravam na minha cabeça, mas ele se manteve firme e decido, com a mão estendida incansavelmente na minha direção. Por fim, abaixei a arma lentamente e o comprimentei.

- E então? - Uma voz feminina surgiu repentinamente atrás de Berry. Eu aproveitei as nossas mãos unidas e o puxei para trás de mim num gesto protetor e descuidado. Apontei a arma para uma bela moça que surgiu a alguns metros de nós. Ela parou e estendeu as mãos para cima, assustada. Estava vestida com uma calça preta e grossa, um casaco de um vermelho bem desbotado e botas, além de um tecido que também cobria o seu rosto, deixando visível apenas um par de olhos azuis e curiosos cercados por sardas, e um longo cabelo ruivo preso numa trança já meio desmanchada. Trazia uma espingarda pendurada no ombro.

- Ei, Ana! - Berry disse e se colocou entre a garota e eu. - Está tudo bem, ela está comigo. - Está é Jane. - A garota mantinha as mãos levantadas, e me pareceu magoada pelo meu gesto grosseiro de apontar uma arma para sua cabeça sem nem hesitar. - Jane, essa é Ana, minha nova amiga. Você pode abaixar a arma, está tudo bem.

Inexplicavelmente, os meus instintos me diziam que eu estava segura, e eu não gostava nada disso. Minha razão me dizia que eu não tinha motivo algum para me sentir segura ou para confiar naqueles estranhos, mas o meu coração estava tão desesperado por um pouco de contato humano depois de cinco anos de completa solidão, que nem todos os perigos do mundo que aqueles dois poderiam representar me pareciam tão ruins. Além do mais, o que eles poderiam fazer? Me matar? Não era como se a minha vida fosse durar muito - ou valesse a pena -,e então, naquele momento, a voz do meu coração gritou mais alto que a da minha razão, e eu decidi que era melhor morrer pelas mãos de um vivo do que pelos dentes de um morto.

Abaixei a arma lentamente, e observei o olhar de mágoa desaparecer instantaneamente dos olhos a moça, e uma luz iluminou o seu rosto novamente. Ela deu alguns passos para se aproximar mais, e eu levantei a arma novamente contra ela, mas abaixei novamente ao me lembrar da minha decisão de confiar neles. Ela então se aproximou devagar e estendeu a mão, como seu companheiro havia feito. Eu a comprimentei, ainda hesitante.

The EndOnde histórias criam vida. Descubra agora