I. A FOTO

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    Muitos civis não sabem, mas boa parte do trabalho da Polícia Militar envolve muito (quando digo muito, quero dizer muito) trabalho administrativo. Vários policiais passam a maior parte dos seus horários de trabalho dentro do quartel, e quanto mais alta sua patente, menos tempo nas ruas. Para muitos isso é algo bom, mas eu odeio trabalho administrativo com todas minhas forças. 

Hierarquia militar é um assunto um pouco complexa de se explicar para um leigo sem que a pessoa durma ou simplesmente ignore tudo, então resumirei tudo em apenas uma frase : por mais que hajam muitas pessoas abaixo de você, sempre haverá alguém (ou alguéns) acima. Ou seja, você obedece a um chefe, que obedece a um chefe, que obedece a um chefe e assim seguimos até chegar no presidente. O trabalho administrativo é só uma das muitas maneiras de sustentar esse ciclo. Ou talvez eu simplesmente não goste muito de trabalhar no disque denúncia. 

Minha função em si é bem simples : atender ao telefone, ouvir a denúncia, pegar o endereço e nome da pessoa que ligou e entrar em contato com a viatura mais próxima do local. O problema é a natureza bizarra e sórdida dos seres humanos, que ligavam fazendo ocorrências falsas ou passando trotes. Quanto mais próximo da madrugada, pior. Curiosamente, esses eram os únicos momentos nos quais o Major Im me escalava para esse turno. Nunca vou entender o porquê de tanta implicância e talvez seja melhor não saber. 

    Um pensamento, na realidade um e-mail, cruza minha mente nos momentos livres. Nada muito importante, só um convite para a reunião de 5 anos da turma de Direito de 2015. Não devia ser nada demais, eu nem lembrava de quase nada da faculdade, na verdade. Nenhum amigo ou namorado ou algo significativo. Na realidade só fiz o curso por muita insistência de mamãe, que repetiu obstinadamente durante meses a importância que um diploma universitário teria na minha vida, mesmo que eu já tivesse uma carreira na Polícia. O estranho era que no fundo tinha um sentimento, uma intuição me dizendo que deveria ir.

- Tenente Kim. - despertei de meus devaneios ao ouvir a voz firme do 2º Sargento Park e o barulho de sua mão ao prestar continência. O que, ativando a tecla SAP, significa que ele está hierarquicamente abaixo de mim.

- Descansar. - apesar de todas as formalidades necessárias a um cargo militar, eu e Jinyoung temos um certo grau de intimidade. Ele é uma das poucas coisas das quais me lembro da faculdade, apesar de não termos sido da mesma turma. Eu, ele e Jackson costumávamos sair para beber ocasionalmente e pode-se dizer que eu sou o emulsificante que faz com que os dois (Jackson extrovertido além do suportável e Jinyoung, tão reservado que nem seu lindo rosto faz consegue torná-lo simpático) se misturem. 

- O Major Im solicita sua presença no gabinete.

     Soltei um grunhido alto o suficiente para que os outros policiais olhassem para mim em um misto de humor e pena. Não é segredo para ninguém no batalhão que eu era a escolhida do Major e por mais que muitos se compadecessem por mim, nenhum deles gostaria de ocupar meu lugar. O bom e velho "antes você do que eu". Não os culpo.

- Diga a ele que eu morri, sei lá.

- Tenente Kim! - o grito do Major irrompeu a sala, fazendo todos retornarem à suas tarefas. Me levantei da mesa, pegando meu quepe preto violentamente, empenhada em descontar minha raiva nele.

- Major Im. - engoli todo o veneno que gostaria de cuspir na cara daquele idiota e fiz uma continência firme, a qual ele dispensou apenas com um balançar de mãos sem nem ao menos se dignar a olhar para mim. - No que posso ajudar, senhor?

- Ajudar... Bem, deixe-me pensar. - Im Jaebom é um filho da puta sacana e ponto final.

     Nos conhecemos há mais ou menos dois anos atrás quando eu ainda era Aspirante a Oficial e ele 1º Tenente. Nosso relacionamento no início era... Normal? Inexistente na realidade. Nós nos reuníamos para fazer alguns trabalhos burocráticos juntos, cheguei a trabalhar com ele sob o comando de outro oficial no setor de RH, mas nada muito além disso. Minha parte preferida do serviço sempre foram as patrulhas e normalmente mantemos parceiros do mesmo nível hierárquico. Jackson e eu nos formamos na mesma turma e somos carne e unha desde sempre. Com o passar do tempo e com a chegada da época das promoções, uma barreira invisível pareceu se consolidar entre Im e eu. Jackson e eu finalmente tínhamos nos tornado 2º Tenentes e Jaebom ascendeu para Capitão. Nunca consegui imaginar o porquê de tanta implicância injustificada e como ela era direcionada somente a mim, sei que não tinha nada a ver com patentes. 

The Man of My DreamsOnde histórias criam vida. Descubra agora