Sempre achei coisas pequenas muito engraçadas. Mini sabonetinhos. Mini xampus e condicionadores. Havia vários deles, e a mãe da Luvy disse que eu poderia ficar com um. Não é como se houvesse muitos, tinha alguns. Também não é como se o pessoal do hospital fosse repor caso acabasse. Mas isso nem era um problema. Acontece que a mãe dela sabia que não conseguiria usar todos aqueles 60ml até o fim. Foi por isso que ela me deu. Ou pelo menos, meio que me deu.
— Pode ficar com ele, mas quero algo em troca. — Ela disse.
— Uh! A tia tá me chantageando, nem acredito.
— Boba. Eu jamais chantagearia a namorada da minha filha.
Sentada aos pés de sua cama, segurando o dócil xampu como se fosse meu bebê, eu permanecia atenta, enquanto ela alternava entre palavras e tossidas, tentando formular uma frase.
— Eu não posso reclamar... você sempre veio me visitar de boa vontade.
— Na verdade, eu venho de ônibus.
O punho fechado dela conteve um sorriso. Ou um refluxo.
— Eu gostaria de conversar com ela, mas acho que ela não vai vir mesmo, né? — Me perguntou.
A Luvy nunca se deu muito bem com a mãe, e também sempre detestou hospitais. Por isso, resolvi cobrir a falta dela com a minha presença. Claro que sem a sua autorização. Se ela soubesse que eu me encontro com a mãe dela...
— Pode esquecer, tia.
— É... então minha conversa é contigo mesmo.
Não é o ideal, mas quando acaba o mini xampu, até que dá pra passar um sabonetinho na cabeça. Não é a função dele, mas pode ser. Eu também não sou a pessoa ideal, mas é o que ela tem pra hoje.
— A minha menina é muito complicada... não que eu a culpe, não fui uma boa mãe pra ela.
— Nem um bom exemplo de pessoa, no geral — completei.
— É... por isso quero te fazer um pequeno pedido.
Tirando a tampa do frasquinho de xampu, apontei ele na direção dela, como se fosse um microfone.
— Faz o seu pedidinho, eu guardo ele aqui dentro.
— Então... você poderia continuar cuidando dela, por mim? — falou a mamãe, encabulada.
Respirando fundo, fechando o potinho do xampu, eu respondi:
— Uoooooooou! Calma aí tia! Você está confundindo as coisas. Eu sei que a Luvy é pequeninha, e provavelmente ela até caberia aqui dentro, mesmo que ainda tenha um pouco de xampu. Mas essa responsabilidade que está me dando... esse frasquinho pode não ser grande o suficiente para guardar o seu pedido.
— E se você levar os outros? — respondeu a tia, levantando as sobrancelhas.
— Os condicionadores também?
— Pode ser...
— É... talvez agora caiba sim... se colocar um pouquinho em cada.
Abraçando todos os xampuzinhos e condicionadorezinhos, eu olhei para ela e falei:
— Temos um acordo, então.
— Você vai fazer? Promete? — Ela perguntou.
— Prometo — respondi com um sorriso. — Não é como se eu já não fosse fazer isso de qualquer jeito mesmo.
***
Já faz um tempo que a Luvy anda deprimida. Não se preocupa mais em preparar sua maquiagem leve e sofisticada. Não se importa mais em sair arrumadinha. Não se preocupa mais em fazer refeições saudáveis, assim como em criticar as minhas péssimas escolhas alimentares.
Tudo o que ela faz agora é ficar sentada à mesa da cozinha, me encarando, ao mesmo tempo em que toma aquele café nojento e sem açúcar dela. As manhãs de hoje são sempre tão silenciosas e sem graça. Não chegam aos pés do que já foram um dia.
Enquanto eu olho para o seu rostinho magro e cansado, algumas memórias me vem à mente. Lembro das nossas manhãs, sempre tão agitadas e alegres. Fora que ela sempre tinha algo interessante pra me ensinar.