Fiquei sabendo que ela se mudaria para a capital através de Ygor. Por isso, cheguei a conclusão que se ela não teve nem a vontade de me contar a novidade pessoalmente, eu nunca devo ter sido alguém realmente importante em sua vida. Se o desejo dela era nunca mais falar comigo, eu aceitaria isso facilmente. Também não tinha mais vontade de vê-la mesmo. Claro que esquecê-la era difícil, por isso, decidi odiá-la. Assim, ainda poderia viver os meus dias lembrando do tempo que passamos juntos. Ainda poderia recitar o seu nome mentalmente, sem me preocupar em parecer o seu pobre vassalo. Eu só precisava acrescentar um "que bosta", no final de cada pensamento ou memória que ela estava envolvida.
Como naquela vez, onde o véio Oseias nos espantou com a espingarda, quando invadimos o terreno dele pra roubar mangas. Que bosta. Quando a gente aproveitou que o pai dela não estava em casa, e saiu dando rolezinho na colheitadeira da empresa dele. Que bosta. Ou quando eu pensei em chamá-la para sair, dessa vez sem o Ygor, mas acabei desistindo, pois fiquei com medo de estragar a nossa amizade. Que bosta.
Entretanto, infelizmente, a vibração do meu celular foi forte o suficiente para quebrar todas as minhas convicções momentâneas. Ao abrir o aparelho, vi quatro novos SMS.
"Nos encontramos no lugar de sempre".
"Traz dinheiro".
"E o teu radio bolinha".
"E um casaco".
Quando menos percebi, lá estava eu, às duas da manhã, saindo de casa escondido para me encontrar com a Dasha. Que bosta.
Ivan Vasiliev. Era esse o nome talhado na sepultura de mármore que chamávamos de "ponto de encontro". Também já fora o nome de um homem que tinha um botequinho, localizado perto das nossas casas. O homem em questão, nos seduziu com um contrato, quando ainda vivo.
"Darei pra vocês um doce grátis toda vez que fizeram as compras de seus pais aqui na minha lojinha. Mas em troca, quando o titio aqui bater as botas, quero que bebam vinho em cima do meu túmulo, sempre que possível".
A Dasha não podia misturar álcool com seus remédios, e eu ainda era menor de idade. Apesar de ser um pedido no mínimo bizarro, para a honrar os pneuzinhos que Ivan nos deixou como legado, sempre que precisamos nos encontrar, optávamos por fazer em cima do lugar onde seu corpo descansava.
Como esperado, sentada de pernas cruzadas, em cima da sepultura de Ivan, lá estava Dasha.
— Yoh! — disse a garota, ao me avistar chegando.
Com um movimento bem executado, sem usar as mãos, ela descruzou as pernas e se colocou de pé.
— Espero que tenha me tirado da cama por um bom motivo. — Eu disse.
— E desde quando você precisa de um bom motivo pra me ver? — disse Dasha, enquanto descia de cima da sepultura, com um pulo de pés juntos, à la Daiane dos Santos.
Ela tinha um ponto, nunca antes me recusei a encontrá-la.
Ao se aproximar de mim, consegui vê-la com maior clareza, graças a iluminação de um jazigo próximo. Com uma calça vermelha, erguida por um suspensório amarelo, ela fazia uma releitura do seu look convencional, que sempre dispunha de uma camiseta listrada diferente. As suas favoritas.
— Que tal? — questionava a garota, fazendo uma pose estranha.
Linda. Perfeita. Case comigo.
— Apesar de parecer bem infantil, até que é legal — disse, enquanto levava os braços até as costas da minha cabeça.
Após falhar em me acertar com a sacola plástica que tinha em mãos, Dasha seguiu andando e falou:
